sexta-feira, 5 de junho de 2020


O FILHO MORTO DA DOMÉSTICA 
Fabrício Carpinejar

Não é omissão. É desprezo. 

A vida de Miguel, 5 anos, de Recife (PE), não valia nada para a patroa. Ela talvez pensasse que correspondia a um absurdo a empregada trazer o filho para o serviço e misturar vida profissional com pessoal. Talvez tivesse reclamado ao marido. Talvez tivesse considerado um abuso de paciência. Talvez tivesse o chamado de demônio, teimoso e sem educação. Os preconceitos moram na intimidade - condicionam atitudes, porém não são declarados da porta para a rua. 

Nem sentiu nenhuma culpa ao conduzir o pequeno ao elevador (apertou qual andar?), sem altura para controlar os botões, e que ele fosse procurar sozinho a mãe lá embaixo, que passeava com os cachorros do apartamento em que trabalhava, obrigada a seguir seu ganha-pão no meio da pandemia. 

Não teve uma ponta de remorso do desatino que cometia com o pequeno, desorientado e desinformado do lugar em que estava. Não podia olhá-lo um pouco até por respeito por tudo o que já fez a babá de sua família? Nem por gratidão, mas por reconhecimento. Não podia descer junto, se fosse o caso? 

Por certo, não desejava perder tempo, sacrificar meia horinha de seu conforto, incomodar-se em entreter quem não partilhava nenhum parentesco. 

Certamente ela nunca agiu assim com o próprio filho (se fosse o contrário?), mas não se via paga para cuidar do Miguel, cria da doméstica. Não era problema dela. Não era coisa alguma dela. Com repugnante descaso, o menino foi vítima da sua condição social, do racismo.  A criança se extraviou no nono andar, em prédio que desconhecia, entrou onde não sabia, caiu e morreu. 

Se não é crime doloso, intencional, prevendo a tragédia e assumindo as consequências, é o quê? 
O que se espera de um menino indefeso no elevador?  Não duvido que a patroa nunca houvesse reconhecido a existência dele, a ponto de não se importar com a sua morte

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