quarta-feira, 4 de março de 2020


04 DE MARÇO DE 2020

NILSON SOUZA

O chimarrão descompartilhado


Tudo é delicado neste episódio do novo vírus letal que desafia a ciência médica e aterroriza a população mundial. Por mais que as autoridades recomendem evitar o pânico, ninguém está imune ao medo. O problema é quando ele nos torna irracionais e faz emergir suspeitas, preconceitos e superstições. Por isso, na tentativa de prevenir estigmas, a Organização Mundial da Saúde decidiu dar logo um nome à doença, que até a metade do mês passado era conhecida apenas como um tipo de coronavírus diferente dos demais do grupo com formato de coroa. Ao batizá-lo de covid-19, a OMS segue o princípio de evitar relação com localização geográfica, animal, indivíduo ou grupo de pessoas - equívoco que já causou muitos danos e injustiças no passado.

A gripe espanhola de 1918, por exemplo, sequer teve origem na Espanha. Foi observada pela primeira vez nos Estados Unidos e matou entre 50 e 100 milhões de pessoas. Porém, como os países que participavam diretamente da guerra censuravam as notícias, sobrou para os espanhóis, que eram neutros no conflito e divulgavam livremente os efeitos da epidemia. A gripe suína (influenza A) provocou uma crise no comércio mundial de carne de porco. Agora mesmo, antes do covid-19 se espalhar pelo mundo a partir da China, já foram registrados casos de discriminação a pessoas de aparência asiática. O inferno - como disse o filósofo francês - são os outros.

Mas está ficando cada dia mais evidente que a família humana, independentemente de cor, raça ou nacionalidade, está toda no mesmo barco - e precisa reagir com os valores familiares da união, da solidariedade e do trabalho conjunto. Nosso inimigo é o vírus, não os seus eventuais portadores. O que podemos fazer, então? Em primeiro lugar, seguir rigorosamente as orientações preventivas das autoridades sanitárias e evitar as armadilhas do medo, entre as quais o repasse irresponsável de boatos, mentiras e teorias da conspiração.

Talvez tenhamos também que mudar - ou suspender por algum tempo - hábitos arraigados como o nosso chimarrão compartilhado e alguns cumprimentos calorosos tão ao gosto dos brasileiros. Sei que é difícil, mas cautela e caldo de galinha - já diziam nossas avós - não fazem mal a ninguém. Depois da tempestade, a gente beija e abraça efusivamente os nossos amigos queridos. E convida para um mate o cientista que descobrir o antídoto para esse malfadado vírus.

NÍLSON SOUZA

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