sábado, 6 de julho de 2019



06 DE JULHO DE 2019
LYA LUFT

Depende do olhar

(Hoje me permito uma segunda brincadeira afetuosa com os que me dizem que não entendem nem apreciam poesia...). A vida, como a ficção, é um teatro de desatino.

Meus personagens: amantes, suicidas, sonhadores, seres rastejantes, criaturas aladas, simples humanos - crianças e seus segredos. O bem, o mal, o riso, o esgar, a procurada morte, a sorte, a sombra. Na beira do palco, como estrelas, penduro palavras: esse talvez seja o meu destino.

A vida precisa de uma porta para espiar o que há dentro: um corredor, o espelho e suas criaturas, a sala da família e um claro quarto de criança; um porão de aflições que soluçam à noite (mas dizemos: é o vento); o pátio, simples, e o pequeno jardim com três árvores esguias que afinal são um bosque.

Num resto de muro, a escada de madeira parece não levar a nada. Pousado no último degrau, um pássaro de sombra nos observa: seu bico é curvo e afiado.

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Embaixo de toda casa, essa que pensamos conhecer, vive a Medusa com olhos de uma nostalgia mortal. Embaixo de toda casa serpenteiam labirintos que temos de achar, e dominar - ou nos sugam, nos absorvem, nos vomitam - quando sonhamos.

Além deles, ali existe um poço e temos de mergulhar: primeiro as mãos em ponta cheias de encontro e de adeus, depois o rosto marcado, o corpo exausto que se adia.

E por fim, muito mais calma, isso que nos sobrou de alma.

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A vida deve ter varandas para sonhar, cantos para chorar, quartos para os segredos, mais a ambivalência, onde se respira - e a portinha do porão, com sua velha chave.

A vida precisa espaço de voar, liberdade de partir ou de ficar, alegria e algum desassossego contra o tédio. Não se esqueçam os danos a cobrir, o medo de perder ou de partir, o dom de surpreender - e um jardim de amores sem adeuses.

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O tempo não existe: eu decreto assim. Esses vultos esquivos são rostos, são nomes, são as horas felizes (são o que foi embora?).

O tempo não existe: tudo continua aqui, como uma árvore carregada de máscaras, palavras, promessas, bocas ferozes. O tempo não existe: tudo se resume ao instante. O tempo é um rio que corre mas não passa: é sempre agora.

Porque vida e morte, e o claro e o escuro, e a realidade e a imaginação se entrelaçam, se fundem, se ocultam e se desvendam. Porque o grão de loucura ilumina a noite e fertiliza a terra. Porque somos melhores do que nos fazem crer que somos. Porque para nós, amadores, indagar é melhor do que entender.

Porque o consolo está em que nada faz muito sentido. Porque, se uma parte de viver são escolhas, a outra parte é o olhar compassivo, divertido ou cruel dos deuses - para nossa glória ou danação.

LYA LUFT

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