quarta-feira, 1 de maio de 2019



01 DE MAIO DE 2019
RESPOSTAS CAPITAIS

TIVEMOS SORTE DE ASSUMIR NA MAIOR CRISE, PORQUE APRENDEMOS MUITO

ENTREVISTA | CRISTINE GRINGS NOGUEIRA, ANA CAROLINA GRINGS E ANA PAULA GRINGS Presidente, vice e diretora administrativa-financeira da Piccadilly

Na 20ª edição do Fórum Respostas Capitais, realizada no Porto Alegre Country Club, uma novidade: não houve uma, mas três convidadas. Em 2015, no início da crise que ainda não terminou, três integrantes da terceira geração da Piccadilly assumiram o comando da empresa. Quase quatro anos depois, a presidente Cristine Grings Nogueira, a vice-presidente Ana Carolina Grings e a diretora administra-financeira Ana Paula Grings exibem resultados que desafiam o cenário difícil para todos os setores da economia. Foi preciso fazer ajustes, o que exigiu coragem das novas gestoras, mas também colheita de bons indicadores: alta de 54% na geração de caixa e de 19% no lucro em 2018.

Como o processo de sucessão desembocou nas três herdeiras?

Cristine - Nossa história de governança iniciou-se em 2013. Fizemos toda uma construção do acordo societário familiar. Hoje temos três famílias na empresa, sendo que a Grings, da qual fazemos parte, tem mais de 90% do negócio. Todo esse processo culminou com a assinatura do acordo no dia do nosso aniversário de 60 anos, que vai completar quatro anos em 4 de junho. Ao longo do processo, veio à tona a sucessão. Até então, todos os diretores eram acionistas e familiares. Estávamos na segunda geração do negócio, alguns já haviam tomado a decisão de sair da direção. Foi quando meu tio, pai da Ana e da Paula, trouxe à tona o desejo dele de sair da gestão. 

Esse assunto era um certo tabu, veio à tona em uma agenda da terceira geração junto com a empresa que fez o trabalho de governança conosco e foi de uma forma especial para nós. Eu, como presidente, e a Ana, como vice, fomos eleitas pelo nosso grupo da terceira geração. Foi importante porque nos deu união para vencer os desafios que vieram. Criamos naquele mesmo ano o conselho de administração, que vem sendo importante como apoio para a gestão, formado por um membro de cada um dos três principais núcleos familiares. Temos ainda um presidente que não é da família e uma consultora independente.

Qual foi o desafio de assumir no primeiro ano de recessão?

Paula - Tivemos sorte de assumir a empresa na maior crise do país, porque aprendemos muito durante esse período difícil. Se tivéssemos assumido em período muito positivo, e depois viesse um difícil, talvez não conseguíssemos lidar com a situação. Com a humildade de aprender, e de saber que tinha de buscar muita coisa, aproveitamos esse tempo para reestruturar o negócio. Na área administrativa e financeira, criamos controles, métodos de análises. Até 2014, não analisávamos DRE (demonstrações do resultado do exercício). 

Implementamos a cultura de gestão orçamentária, o que trouxe profissionalismo muito grande, ajudou na tomada de decisão. Fez com que alcançássemos bons resultados e permitiu grande investimento na área de gestão de pessoas. Estamos trabalhando meritocracia, desenvolvimento de talentos. Temos pilares fortes para conseguir entregar resultados muito positivos. A segunda geração tinha feeling, expertise, um monte de cabelinho branco, muita coisa vivida, sabendo como conduzir decisões e desafios. Ainda não temos toda essa bagagem. Precisamos criar uma forma de gerir com indicadores, metas e controle.

Qual foi o maior aprendizado?

Paula - O maior é de que as diferenças são complementares. Nós três temos perfis completamente diferentes. Em uma conversa, Ana fez uma analogia, dizendo que se imaginava em cima de um balão, não no cesto, olhando para o céu. A Cristine, no cesto, e eu embaixo, segurando a corda (risos).

Ana - Foi termos humildade e entender que toda a experiência do cabelinho branco da segunda geração foi muito importante. Esses 60 anos que a empresa viveu foram maravilhosos e não devemos deixar de lado o que nos trouxe até aqui, mas agregar àquele conhecimento novas ideias.

Cristine - A resiliência de entender as dificuldades. Logo que iniciamos o processo de sucessão, dizíamos que não éramos novos técnicos querendo mudar o time, mas o time precisava aceitar os novos técnicos. Ter resiliência de entender o quão desafiador era para as pessoas se sentirem seguras e confiantes, colocar o chapéu do acionista que por 40 anos vinha para a empresa no mesmo horário.

Até meados de 2018, a Piccadilly estava com aumento de 70% no lucro, o que ocorreu de lá para cá?

Cristiane - Dali para a frente o mercado deu uma travadinha, infelizmente. Quando apresentamos para os acionistas a proposta de orçamento para 2018, eles disseram que ano de Copa e de eleições é difícil. Sabíamos, mas não queríamos acreditar. Então trabalhamos para que não fosse um ano de resultados negativos. O primeiro quadrimestre foi fantástico. Foi um ano positivo, mas não continuamos na mesma onda de crescimento.

Paula - Tivemos crescimento de 19% no lucro sobre 2017. Esse resultado se deve principalmente à eficiência operacional, em volume o mercado caiu um pouco. Nosso ebitda (geração de caixa) fechou em 54% a mais do que 2017, aumentamos significativamente o valor da empresa.

O processo de sucessão ajudou a credenciar outras herdeiras?

Cristine - Entendemos que faz parte do contexto hoje. A indústria calçadista é muito masculina e, na grande maioria, controlada por pessoas de mais idade. Acaba que nossa realidade vem na contramão do que o mercado tem construído. Temos nossos focos, objetivos claros e não há espaço para preconceito sobre o que é mais relevante, homens ou mulheres. As "gurias da Piccadilly" são comentadas, mas metade da diretoria hoje é de homens, são três. Essa combinação e mistura são muito importantes.

Como estão as franquias?

Cristine - Abrimos duas lojas-piloto em Porto Alegre no ano passado, estamos satisfeitos com os resultados. O objetivo é, sim, iniciar um projeto de expansão. Mas são informações estratégicas que ainda não estamos divulgando. A Piccadilly se tornará uma indústria muito melhor a partir desse movimento, porque hoje a área de produto desenvolve uma coleção baseada no que o lojista comprou. Monitoramos ranking, como está o movimento, mas não nos baseamos no que a consumidora comprou, no giro do produto. Vai ser uma informação a que vamos ter acesso de forma constante e que vai nos dar a possibilidade de entender mais o que a mulher deseja.

Como estão as exportações para a Argentina?

Cristine - A Piccadilly tem uma força global muito forte. Hoje vendemos para mais de cem países. A Argentina chegou a comprar mais de 1 milhão de pares, o potencial da marca lá é muito importante. A Piccadilly já foi mais forte na Argentina do que no Brasil. Não sei se ainda é possível dizer isso por causa do contexto de protecionismo e crise, mas é um mercado ainda muito relevante para nós. Segue como maior comprador, com 15% das vendas ao Exterior. Se estávamos confortáveis, agora precisamos buscar de outras formas. Fui à Cuba, e lá é o lugar no mundo, incluindo o Brasil, onde mais vi a marca Piccadilly. Temos uma força absurda. Temos produtos até nas Ilhas Reunião, perto de Madagascar.

Estão pagando?

Cristine - Na Argentina, temos um parceiro de muitos anos e ele optou, por esse contexto de dificuldade do país, reforçar o trabalho focado na Piccadilly. Apesar do cenário desafiador, a que está conseguindo consumidor é a nossa marca. É a que dá giro para quem vende. Acreditamos em retomada, não sabemos quando. Até lá, queremos manter a marca forte.

E o mercado interno?

Paula - Iniciamos o ano com um olhar muito mais otimista do que temos agora. Enquanto o governo não conseguir fazer as reformas que precisam ser feitas, vamos andar de lado. Acreditamos que o segundo semestre pode vir a ser positivo, dependendo dessas aprovações, mas não estamos contando muito com isso porque são grandes os desafios na economia. Como temos grande potencial com exportações, não costumamos especular com hedge (receita em dólares que protege de flutuações internas), fazemos as travas necessárias para garantir o que precificamos. Quem quer especular corre sérios riscos.

Como a empresa superou a crise?

Paula - Quando recebemos a empresa, o caixa estava extremamente robusto, o que nos possibilitou fazer todos os ajustes necessários. Sem caixa, não se consegue demitir, ajustar nada. Para este ano é a mesma situação, só que tem de ajustar mais rapidamente.

O que muda em uma empresa gerida por mulheres para mulheres?

Cristine - A construção do novo propósito, de revelar a verdadeira mulher, não é só para a consumidora, é também para as colaboradoras. Hoje 61% do nosso grupo de colaboradores é formado por mulheres. As gurias não somos só nós três, são todas as que estão dentro da empresa.

MARTA SFREDO

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