08 DE MAIO DE 2019
OPINIÃO DA RBS
UM GOVERNO FRATURADO
A gradual deterioração se origina na percepção de que o presidente ainda não tem noção da envergadura, dimensão e responsabilidade de seu cargo
Com pouco mais de quatro meses no poder, já está claro que o governo Bolsonaro não é um, mas pelo menos cinco governos.
Há o núcleo íntimo, dominado pelos filhos e inspirado pelas divagações de um autoproclamado filósofo cuja influência se estende, entre outras áreas, ao Itamaraty e ao Ministério da Educação, no qual olavistas geram muita polêmica e poucos serviços ao país. No outro lado, há o núcleo dos militares da reserva e da ativa, que ocupam principalmente postos-chave no Palácio do Planalto e são os responsáveis por manter os serviços básicos do Executivo - e um mínimo de racionalidade - em funcionamento.
O terceiro governo gira em torno do Ministério da Economia, que conta com quadros de primeira linha e, mesmo sabotado por outras alas do Executivo, tenta impor uma agenda de modernização, responsabilidade fiscal e desburocratização do país. O quarto governo é composto por ministros com trajetórias próprias, como os da Cidadania, da Agricultura, da Infraestrutura e da Justiça, que conservam poucos laços entre si, mas, a seu jeito, fazem o possível para tocar suas áreas adiante. O quinto governo é o de Bolsonaro, que, por miopia ou alienação da realidade, nega publicamente as fraturas e enxerga um time sólido enquanto abalos sísmicos entre as facções do Executivo deixam o país perplexo.
A gradual deterioração do governo eleito com enorme expectativa por folgada maioria do eleitorado se origina na percepção de que o presidente ainda não tem noção da envergadura, dimensão e responsabilidade de seu cargo. Ao tolerar que o orientador ideológico da família Bolsonaro ataque ministros militares e as Forças Armadas com baixarias vistas raras vezes na história política brasileira, o presidente não assume, ao contrário do que imagina, uma posição de magistrado. Antes disso, sua propalada neutralidade na disputa que corrói a administração é um incompreensível endosso às aleivosias disparadas por um guru lunático que acaba de ser contemplado com a Grã- Cruz da Ordem do Rio Branco. Trata-se de uma provocação para diplomatas e militares tão ou mais disparatada do que a condecoração de Che Guevara por Jânio Quadros com a Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul em 1961.
Na ala dos sensatos, formada pelos militares, pelos gestores da economia e pelos ministros independentes, o constrangimento com as idas e vindas do presidente refém de militantes fanatizados nas redes sociais só não é maior e mais visível porque há um compromisso tácito com a estabilidade do país. É a favor dessa estabilidade, que inclui a defesa do regime democrático e a retomada do crescimento econômico, que deveriam estar jogando todos no governo e na sua cada vez mais desorientada base parlamentar. No entanto, quando o próprio técnico, no lugar de pacificar o time, ignora ou estimula ataques entre a equipe, a possibilidade de vitórias se torna ainda mais distante.
Como o governo Bolsonaro ainda está em fase de tumultuada aprendizagem, é cedo para o que resta de oposição apostar no fracasso da administração. Mas cabe ao presidente a tarefa urgente de unificar os diferentes governos, afastando com mão firme as influências perniciosas que consomem energias e o ordenamento institucional. Do contrário, seguirão os seus governos se engalfinhando e legando ainda mais incógnitas sobre o futuro do país.
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