quarta-feira, 8 de maio de 2019



08 DE MAIO DE 2019

PEDRO GONZAGA


O POLO


Nas manhãs do 2º Grau, as notícias custavam a chegar às classes do fundo. A topografia da sala fazia com que viessem misturadas e colidentes, filtradas por nosso tão juvenil e comum senso de cansaço - a certeza de sabermos tudo, filha da ignorância de não sabermos nada.

Apesar disso, 27 anos depois, à ponta de uma mesa posta com café e outros frutos da maturidade, penso que, mesmo varados pelo cinismo (ou timidez), marginalizados pelo desencanto, à espera de novidade alguma, houve um dia em que nos deixamos envolver, um dia em que as notícias ignoraram a distância das fileiras, e, de algum modo, a história dos outros também passou a ser a nossa.

João e Vitória tinham começado a namorar no verão, antes da volta às aulas, e formavam o único casal da turma, o que lhes dava um certo ar de mascotes. Eram gentis com os espinhentos, com os marombados, com os CDFs, com patricinhas e mauricinhos. Sorriam com sinceridade em todas as direções, um tipo de virtude rara, que não se volta a ver muitas vezes na vida. E agora corria a informação de que tinham rompido. O próprio João terminava de nos contar tudo, ocupando a classe a meu lado, amiúde vazia. Ela pediu um tempo. Disse que precisava de espaço. Quem pode entender as mulheres.

Nos dias seguintes ficou entre nós, sumamente calado. Enxergava com dificuldade, mas se negava a usar óculos, decerto por medo de arruinar o visual de surfista, e eu quis acreditar ser esta a razão para seus olhos estarem sempre lacrimejando. Mais certo fosse a visão de Vitória, de seus cabelos negros, do perfil que às vezes se revelava desde a primeira fila, quando se voltava para tentar algum contato.

À época eu acreditava no poder terapêutico da literatura e quis emprestar uns livros niilistas ao João. Ele agradeceu, mas preferia ver tevê.

Ficou um mês no polo fundo conosco, até o dia em que se mudou para a terceira fila, sentando ao lado da Soraia, que diziam sair com todos, menos com a gente. De um modo atravessado, como as notícias de sempre, soubemos do novo namoro uma semana depois.

Ele parecia feliz, ela bastante maquiada. Espalhafatosos, riam só para si mesmos.

Vitória acabou numa fila intermediária, junto à janela, na zona desmilitarizada. Não voltava mais o rosto para trás, e as novidades que dela me chegavam não eram confiáveis.

Quis emprestar-lhe os livros que João recusou. Não tive coragem.

PEDRO GONZAGA

Nenhum comentário: