10 DE MAIO DE 2019
DAVID COIMBRA
Por 10 minutos
Um passarinho me seguiu pela rua outro dia. Por Deus. Nunca tinha me acontecido isso, ainda que haja muito bicho solto por aqui. O curioso é que, ao contrário do Brasil, nenhum é cachorro ou gato. Cachorro e gato na rua, só acompanhados.
O que mais se vê é esquilo. Fiquei surpreso com os esquilos quando vim morar nos Estados Unidos. Eles estão por toda parte, correm pelas calçadas, pelas praças. Mas vivem nas árvores, como macacos. Escalam troncos e dependuram-se de galho em galho com uma destreza espantosa, mais ágeis do que qualquer gato. São uns bichinhos felizes. Entendo por que os americanos os colocam como personagens em tantas histórias de ficção.
Há também muita ave grande solta pelas ruas. Pato, ganso e, sobretudo, peru. Você vem caminhando despreocupado e, de repente, dá de cara com um bando de perus gigantes, cada um maior do que um pastor alemão. Tenho um pouco de medo deles. Já vi um grupo furioso de perus correndo atrás de um homem, na Avenida Beacon. Tento evitá-los.
Ninguém incomoda os perus, ninguém ameaça metê-los no forno. Talvez porque os Estados Unidos, de certa forma, existem, um pouco, por causa dos perus. É que o navio dos pioneiros, o Mayflower, chegou a esta região no final de novembro de 1620, bem no momento em que o inverno começa a ficar duro, e os invernos da Nova Inglaterra são muito mais duros do que os da Velha Inglaterra. Então, os ingleses sofreram, como sofreram. E só sobreviveram porque os índios das cercanias os ajudaram. Os índios os ensinaram a plantar, a enfrentar o frio e a caçar perus selvagens. Por isso, quando a situação melhorou, os pioneiros fizeram um almoço de ação de graças junto com os índios, com peru assado como prato principal. Ficaram amigos, os pioneiros e os índios, por mais de 10 anos. Depois, os índios se arrependeram de terem sido tão bonzinhos.
Mas o passarinho que me seguiu era bem menor do que um peru. Era do tamanho de um punho de homem. Infelizmente, não sei de que espécie era. Devia saber. Já tive vários. Pintassilgos, canarinhos, caturritas, periquitos e até uma codorna, a Matilde, embora uma codorna talvez não possa ser considerada, tecnicamente, passarinho.
Matilde. Não se pode dizer que fosse bela, mas foi o bicho de estimação que mais amei. Fazia um cocozinho branco e diáfano. Fazia por toda parte, inclusive quando escalava nossos braços. Minha irmã Silvia deixou de comer clarada por nojo do cocô de Matilde. Mas eu não lhe tinha nojo, àquele cocozinho de nuvem.
Matilde também cantava alto e forte, e suspeito ter sido essa a razão de seu assassinato. Sim, mataram Matilde. Algum vizinho amante do silêncio arremeteu-lhe uma pedra e ela morreu em meus braços. Que dor.
Matilde me seguia por todo lugar. Como aquele passarinho que vi outro dia. Andava pela calçada e ele veio atrás, chilreando. Voou até uma pequena cerca, metros à minha frente, e pousou. Enquanto me aproximava, pensei que sairia voando, mas não. O passarinho continuou empoleirado na cerca, cantando, olhando para mim. Sorri e fui em frente. E ele decolou e passou por mim e outra vez aterrissou. Ficou de peito estufado em cima de um muro, como se me esperasse. E me esperou mesmo! Cheguei perto, ultrapassei-o e ele não fugiu. Ao contrário: depois de alguns metros, me alcançou novamente e, então, ficou dando pulinhos na grama de um jardim e piando alegremente.
Era um passarinho que se comportava como um vira-lata. Avançamos, lado a lado, durante quatro quadras. Comecei a fantasiar. Será que ele queria me dizer algo? Será que poderíamos nos tornar bons amigos? Deixaria para ele alpiste da melhor qualidade na sacada, e todas as manhãs ele viria me despertar, trinando na minha janela. Imaginei-me caminhando pela cidade com ele pousado no meu ombro, as pessoas olhando, admiradas. Mas aí chegamos a uma avenida movimentada e ele se assustou. Voou para o céu e sumiu atrás de um telhado. Agora, tenho caminhado pela rua olhando para o alto, procurando pelo passarinho. Dez minutos em sua companhia e já me senti um São Francisco de Assis. Fui santo por 10 minutos. Volte, passarinho! Volte! Venha me beatificar.
DAVID COIMBRA
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