terça-feira, 7 de maio de 2019



07 DE MAIO DE 2019
DAVID COIMBRA

Ele não é grande: ele se torna grande

Nós passamos a vida inteira buscando histórias que façam sentido. Desde a Peppa Pig, na tenra infância, até Raskolnikov, na rija maturidade. A razão é óbvia: é porque queremos, através do exemplo, dar sentido às nossas vidas também.

Essa é a função da literatura, do teatro, do cinema. E do esporte. O esporte nada mais é do que uma história com começo, meio e fim. O herói terá sucesso? Ou fracassará? O que o seu destino nos ensina? Por que ele ganhou? Por que perdeu?

É o enredo que fascina no esporte. E, de todos os esportes, nenhum fascina mais do que o futebol, pela reunião de fatores que o tornam um espelho da vida. Em um único time de futebol, você encontrará dramas, tragédias, comédias, épicos e inesperadas tramas de suspense.

A história dos times vencedores é ainda mais interessante, por ser mais duradoura. Um time vencedor, exatamente por ser vencedor, não se desmonta de uma temporada pra outra. Assim, os personagens vão se refinando, vão ficando mais fortes, vão colorindo cada vez mais a história.

Um dia alguém escreverá a crônica do atual time do Grêmio. Se tiver competência, terá em mãos um filão de ouro puro. A começar porque esse é o time de Renato, que já é um rico personagem, mas, junto com ele, há um punhado de heróis e anti-heróis complexos, desde o infausto Bressan até o resiliente Marcelo Grohe, passando pelo enigmático Luan.

Mas o time em si tem uma história para contar. Que time é esse? Um supertime ou uma fraude? Um time que tem futuro ou que está se dissolvendo? No último jogo, quando estava 3 a 0 para o Grêmio, o comentarista da TV, o ex-jogador Petkovic, perguntou, entusiasmado com o que via:

- Esse é o Grêmio ou o Barcelona?

Começou como o Barcelona, terminou como o Íbis.

Por que se deu essa metamorfose? Qual foi a beberagem que transformou doutor Jekyll em mister Hyde?

Decerto que existem causas psicológicas a investigar: o fastio de alguns, o ressentimento de outros, a soberba de uns tantos. Sabe-se lá. Se as questões que envolvem o relacionamento de um casal já são opacas, imagine as de um grupo com 30, 40 pessoas.

O que dá para ver, aqui de fora, é a superfície. Eu, assistindo aos jogos, me comovo com a entrega daquele jovem jogador, Matheus Henrique, que uns chamam de Matheusinho, mas ele não gosta, ele rejeita o diminutivo e, quer saber?, ele tem razão. Porque, sim, Matheus Henrique não é grande, mas torna-se grande. Ele aparece no campo inteiro, combatendo, tirando a bola do adversário, contornando o marcador, limpando a jogada, abrindo espaços e até tirando de cabeça dentro da área do Grêmio.

Por que essa ubiquidade?

Porque ele precisa.

Matheus Henrique é o único marcador do meio-campo do Grêmio. Seus companheiros fazem como eu, que estou diante da TV: assistem enquanto ele joga. Pois Jean Pyerre é muito bom, mas é um meia clássico, antigo, um Ademir da Guia. Maicon, com a bola, é quase craque; sem a bola, é quase ex-jogador. E Alisson corre muito, mas ajuda pouco.

Matheus Henrique é um abnegado. E o melhor: um abnegado com talento. Em seu primeiro ano como titular, já virou protagonista. Tomara que Renato consiga reparar os danos que seu time sofreu. Tomara que consiga acabar com a solidão de Matheus Henrique. Para que a história tenha um final azul.

DAVID COIMBRA

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