11 DE MAIO DE 2019
LEANDRO KARNAL
ENSINO EM CASA
É MUITO COMPLEXO EDUCAR EM CASA, TODAVIA IMPRESCINDÍVEL QUE OS PAIS FAÇAM PARTE DA RESPONSABILIDADE PARENTAL NA ESCOLA. QUE SEJAM MENOS PAIS SÍNDICOS OU CAPATAZES E MAIS PAIS PARTICIPANTES DO DESAFIO SOCIAL DE EDUCAR.
A educação formal obrigatória, universal, em escolas, é uma novidade histórica. Até meados do século 20, estudar até o fim do segundo ciclo era um luxo reservado às elites e a parte da classe média. A maioria da população seguia com rudimentos de escrita e algumas operações matemáticas básicas, quando não completamente analfabeta.
Os motivos para tal situação eram muitos. Um deles era decorrente da visão que a sociedade tinha a respeito de lugares determinados para todos. Filho de sapateiro, sapateiro será. Filho de agricultor lavrará a terra. Filhos de classe média e alta poderiam ser o que quisessem ou herdariam o negócio dos pais. Por isso, precisavam de estudo. Quando o Brasil não tinha universidades, nossas elites mandavam os filhos para Portugal ou França. Quando não havia boas escolas, contratavam preceptores e tutores para seus rebentos.
A universalização do Ensino Básico atravessou a história do Brasil recente como uma conquista e como uma pedra nos sapatos do nosso país. Estamos mais próximos do que nunca de termos todas as nossas crianças em escolas (na média, há entre 90% e 98% de crianças e adolescentes em instituições, variando entre creches e Ensino Médio), mas elas não frequentam, necessariamente, um ensino de qualidade, como preconiza a Constituição em vigor. As discrepâncias são imensas. Há colégios públicos excelentes, bem geridos, com estrutura adequada e professores dedicados. Há escolas particulares medíocres, sem o mínimo projeto para os alunos e com professores malformados. Entretanto, na média, os problemas se concentram no ensino público. Ainda somos uma sociedade com muita desigualdade.
Em meio a conquistas e retrocessos, discutimos hoje o ensino em casa. Isso já foi realidade por aqui e em outros lugares do mundo. Reis e rainhas, nobres e parte da elite europeia jamais viveram outra forma de ensino. Grandes gênios e pessoas muito eruditas estudaram assim. Em si, aprender em casa pode garantir excelência educacional. O potencial problema desse tipo de ensino não é esse, necessariamente.
Para entendermos, precisamos pensar historicamente. Um dos aspectos tem a ver com o fortalecimento do Estado entre o século 19 e o 20, bem como com sua crise nos dias atuais. Quanto mais forte o Estado se tornou como instituição de regulamentação de nossas vidas, menos importância família e igrejas passaram a ter. Famílias participavam ativamente da escolha dos noivos e noivas. O casamento assegurava herdeiros, a igreja oficializava as uniões. Quando o Estado passou a ser o intermediário e as sensibilidades liberais do 19 afloraram, junto com uma maior produção de riquezas, casamentos passaram a se dar por escolha dos cônjuges, por amor. Casar e se divorciar se tornaram coisas mais corriqueiras. A família é menos importante, para o indivíduo moderno, do que o Estado. Precisamos de empréstimos, recorremos a bancos (regulamentados pelo Estado) e não mais aos pais; precisamos de saúde, vamos a hospitais (e não mais ao membro mais experiente da família) e assim por diante. Logo, educar seguiu esse caminho. Saiu da casa para ir para esfera da cidadania, dos valores da sociedade e das novas concepções pedagógicas, regulamentadas em escolas por leis federais.
A rigor, a lei não proíbe o ensino em casa. O Supremo Tribunal Federal (STF) já disse que a prática não pode ser feita, pois carece de regulamentação. Sem leis que regulem a prática, como auferir se o ensino funciona ou não?
Educar os filhos em casa deveria, ser, a rigor, um direito de cidadania. Sou a favor da regulamentação. Há obstáculos práticos. Raramente, pais têm o preparo profissional. Não se trata apenas do conteúdo, porém da técnica em si. Um adulto alfabetizado ensina bem uma criança? Nem sempre, pois há métodos e debates sobre seus usos. Se quisermos uma comparação rápida e com certa fidelidade, você também deveria ter o direito de curar as doenças do seu filho em casa. Por que médicos? Talvez pelo mesmo motivo de existir professores. Você está seguro para prescrever um remédio? Então, com certeza, estará apto a optar entre o método fônico de alfabetização ou três ou quatro variantes do processo de letramento.
Sim, deveria ser garantido o direito dos pais para o homeschooling. Mas eu queria enfatizar que os pais assumissem com plenitude o direito constitucional, do código civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente que indicam, com total clareza, que a educação é um dever dos pais. É muito complexo educar em casa, todavia imprescindível que os pais façam parte da responsabilidade parental na escola. Que sejam menos pais síndicos ou capatazes e mais pais participantes do desafio social de educar.
Por fim: crianças educadas em casa perdem a chance do convívio com a diferença e são menos expostas - potencialmente - a pontos de vista conflitantes. Se não enfrentam conflitos, são menos resilientes e com tendência para fragilidade de um sistema imunológico nunca exposto a micro-organismos diversos. Se correr tudo bem, se a família tiver dinheiro para bons preceptores, para complementar com viagens, museus, para estimular o convívio dos filhos com outras crianças em parques e praças de esportes, na outra ponta teremos o mesmo resultado alquímico da escola: talvez um bom cidadão, alguém preparado para os desafios de nosso século e o constante aprender que nos exige. E, no entanto, se funcionar mal, teremos especialistas nas opiniões caseiras, fechados ao mundo.
Há risco de reforçar o surgimento de crianças mimadas na sua zona de conforto, pouco aptas ao mundo de diversidades e desafios. Seu filho viverá com você para sempre ou, um dia, terá vida própria? Elizabeth, rainha da Inglaterra, foi educada em casa. Educou os filhos em escolas. O modelo perpetuou-se nas gerações seguintes da família real britânica. Por que será? Boa semana para todos nós.
LEANDRO KARNAL
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