24 DE MAIO DE 2019
EDUARDO BUENO
Mão amiga, braço forte
Sempre achei que há muita coisa para ser derrubada em Brasília, mas jamais supus que um dia eu estaria entre elas até porque nem moro lá. Acontece que na semana passada fui à capital federal levar minha peça, Não Vai Cair no Enem, mas a peça que caiu fui eu. Quase em frente ao estádio Mané Garrincha aquele que custou R$ 2,2 bilhões e jaz às moscas numa cidade que simplesmente não tem futebol, há uma instalação com letras enormes formando a frase Eu Brasília.
Subi na letra L (de ladrão) para gravar um vídeo e, como tantas outras coisas naquela cidade, a letra L (de larápio) estava podre. Dessa espécie de acidente ortográfico resultou um braço estilhaçado em quatro pedaços e a cabeça do rádio exposta feito uma bola de tênis no cotovelo. Sim, doeu tanto quanto você está imaginando.
Ao ver meu braço parecendo uma maria-mole, minha mulher saiu correndo em busca de ajuda e, no mesmo instante, como num filme, uma ambulância passava por uma daquelas vias expressas doentiamente áridas de Niemayerlândia. Ela vinha sem pacientes e com dois paramédicos a bordo. Eles eram meus fãs, mas creio que, mais do que de mim, gostaram foi de meu plano de saúde - cujo cartão de plástico milagrosamente repousava no meu bolso. Eles me imobilizaram e me levaram direto para a emergência de um dos melhores hospitais de Brasília, o Santa Lúcia. No trajeto, cruzamos sem pestanejar pelo Hospital de Base, aquele no qual o paciente que entra não tem certeza se sai...
Depois de ter sido cuidado por duas técnicas em enfermagem (que ganham R$ 1,4 mil e saem de casa às 4h40min da manhã para cumprir plantões de 12 horas), fui levado para fazer raio x. Após torcer meu braço como se fosse um esfregão, o radiologista me olhou e disse: "Sifu, hein, Peninha". Saí dali direto para a mesa de operações. Minha cirurgia, pela qual eu teria que pagar R$ 22 mil, não fosse o sacrossanto plano, durou quatro horas e o cirurgião ganhou R$ 1,2 mil por tê-la realizado.
Ou seja, R$ 300 por cada uma das horas que levou para salvar o braço com o qual escrevo, ganho meu pão e... vivo. O doutor que me consertou é o verdadeiro herói desta história: ele também opera na rede pública, mas lá, como me disse, às vezes não há anestesista nem placa como a que ele colocou no meu amado braço. Nessas horas, usa um alicate e um martelo (que ele mesmo comprou) para transformar placas que deveriam ser usadas em pernas ou quadris naquelas que consertam ombros e cotovelos menos afortunados do que o meu.
Saí da cirurgia para uma suíte premium, digna de hotel cinco estrelas, com quatro ótimas refeições, vista para o Cerrado e 40 canais de TV. Fiquei lá três dias pensando por que, diabos, meu braço merece tratamento melhor do que praticamente qualquer outro dos braços que ali tão bem me atenderam. Não pode - ou não deveria - ser por causa daquele cartão de plástico que estava no meu bolso.
EDUARDO BUENO
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