quinta-feira, 9 de maio de 2019



09 DE MAIO DE 2019
DAVID COIMBRA

Meu amigo morreu

O Professor Juninho morreu. Meu amigo, mais que amigo, um irmão que a vida me deu de presente.

Falar em vida nesta hora é até estranho, mas é isso mesmo: o Juninho adorava viver e, sei, usufruiu bem do seu tempo debaixo do sol.

E é isso que importa: viver bem, mas não apenas com prazer, porque prazer é diferente de felicidade. O que importa é viver bem com as outras pessoas, respeitando-as, amando-as, cuidando delas.

O Juninho fez assim em seus 52 anos neste vale de lágrimas. No final, sofreu muito, muito, mas Deus o abençoou com uma mulher leal e de fibra, Débora Giacomet, a "Dedé", que foi mais do que uma companheira: foi uma dádiva.

Agora mesmo, os amigos comuns estão me enviando fotos em que aparecemos juntos. Quase todas são imagens de grupos alegres, estamos sorrindo, abraçados, comemorando a existência. Quantas vezes repetimos essas cenas, meu Deus?

Você lembra, leitor, da história que contei sobre a Noite dos 600 Chopes? Foi num aniversário do Juninho, 8 de janeiro de 1997, na então esfervilhante Calçada da Fama, na Rua Fernando Gomes. Porto Alegre era outra, então, e nós também éramos outros. Parafraseando Hemingway no fecho de Paris é uma Festa: Porto Alegre era assim nos velhos tempos em que nós éramos muito pobres e muito felizes.

Naquela noite, mais pobres e mais felizes, nos sentamos em torno de uma mesa de bar. Éramos, a princípio, o chamado núcleo duro da cafajestagem, aqueles que sempre alugavam a casa na Praia Brava nos verões: eu, o Juninho, o Degô, o Ricardo Carle e meu irmão Régis. Ninguém havia sido convidado formalmente, mas as pessoas sabiam que o Juninho estava de aniversário e que festejaríamos com chopes cremosos, dourados e gelados, servidos pelo bom Atílio em finíssimos copos de cristal no Lilliput. Então, os amigos foram chegando. O Diogo Olivier, a Mariana Bertolucci, a Mari Scholze, a Renatinha Maynart, o Carlos Urbim e outros, tantos outros, e a noite rasgou a madrugada e se estendeu até as franjas da manhã e nós ríamos e dançávamos.

Aquela noite foi histórica, mas não foi a única. No fim dos anos 1990, nós saíamos todos os dias. Todos, literalmente, de segunda a segunda. Quando chegávamos à Redação, olhávamos uns para os outros e dizíamos:

- Hoje, não?

Ninguém discordava:

- Não. Hoje, não.

Mas o dia ia terminando e nós éramos como vampiros. Quando o sol se escondia, nos transformávamos. Ao entardecer, já estávamos esfregando as mãos:

- Vamos hoje?

- Vamos, vamos.

E nós íamos sempre e sempre era bom.

No dia seguinte, de manhã cedo, lá estava o Juninho de gravata, trabalhando, concentrado. Aí não era mais o Juninho, era o Luis Fernando Gracioli, professor da PUC, chefe de setor na RBS. Tratava-se de uma transformação engraçada, porque ele continuava gentil e educado, como sempre foi, mas, profissionalmente, se comportava com absoluta seriedade. O Antônio Tigre e o Marcelo Rech, diretores da RBS, sabiam dessas duas facetas dele e, às vezes, numa reunião cheia de solenidade, brincavam, para desconcertá-lo:

- E aí, Professor Juninho!

Ele ria, sem jeito. Mas nunca ficava brabo. Uma marca do Juninho era o bom humor.

Quando soube de sua internação, dias atrás, compreendi que a situação era muito difícil. Escrevi uma crônica contando duas ou três de suas histórias, e a Dedé leu para ele à beira da cama do hospital. Não sei se foi alguma forma de consolo para o Juninho. Foi para mim.

Não terei mais o meu amigo, não partilharemos mais de noites felizes, de chopes, de risadas, não terei mais o seu apoio incondicional e a sua palavra sensata e honesta. Mas tudo isso tive. Tudo isso está aqui, comigo, dentro do peito. Para sempre. Brindarei a isso hoje, Juninho. Brindarei a nossos bons momentos. Brindarei às pessoas boas que a vida nos dá. Brindarei à amizade.

DAVID COIMBRA

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