sábado, 23 de fevereiro de 2019


23 DE FEVEREIRO DE 2019
ANA CARDOSO

O mundo de cada um


Ao casar com alguém - tcharam - casamos também com elementos até então ocultos. Ninguém conhece tão bem a família do outro. O irmão estelionatário que mora em Roraima, a tia viciada em sexo, o amigo de infância alcoólatra e por aí vai. De perto, nenhuma família é Doriana. Seis meses, ou menos, são suficientes para saber de tudo o que não se mostra no Instagram.

Não pense que isso é 100% ruim. Minha amiga Maitê me contou que teve que escrever uma carta de agradecimento em um curso que fez. Pensou, pensou e chegou a uma inusitada conclusão: sua sogra, uma senhora de origem simples, com pouco estudo e uma disposição ilimitada para ajudar as pessoas, deveria ser a destinatária de tal carta.

Sem a sogra ela jamais poderia trabalhar, saber que seu pequeno está sendo cuidado com todo o amor possível ou ficar tranquila em meio ao caos da chegada de um filho no casamento. Diferentemente de sua própria família, a sogra está sempre disponível, sem nunca exigir nada em troca, de ninguém. A própria Maitê, uma empreendedora, uma empresária de sucesso, diversas vezes, no passado, ria da sogra, de sua devoção cega.

Depois de escrever, teve que ler a carta. Impossível saber quem chorou mais. As duas saíram tocadas. Uma por ter seu trabalho e dedicação enfim visibilizados e reconhecidos. Não, não é obrigação de ninguém viver em função dos outros. A verdade é essa. Maitê percebeu algo ainda maior nesse momento: que o casamento é mais do que paixão, sexo, brigas, pazes, planos, frustrações e recomeços. O casamento é um mergulho profundo em outros contextos, é a oportunidade de conhecermos de verdade muitas outras pessoas e visões de mundo. Se soubermos aproveitar isso e respeitar os envolvidos, a experiência será muito mais completa que qualquer enxoval já visto em loja de presentes.

Reconheço que nem sempre é assim. Nem sempre a sogra ajuda. Nem sempre o casamento vale a pena. De qualquer forma, encarar a família de uma forma mais sistêmica, sem exigir nem esperar demais apenas do cônjuge, reduz - e muito - as cefaleias conjugais.

ANA CARDOSO

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