21 DE FEVEREIRO DE 2019
O PRAZER DAS PALAVRAS
O PRAZER DAS PALAVRAS
NOSSO VOCÁBULO vem realmente de Maria Baderna, bailarina que deixou a Europa para brilhar nos palcos fluminense
Na coluna anterior, pedi aos prezados leitores que me ajudassem a lembrar qual era o nome daquelas providenciais escolas de madeira que Brizola construiu a mancheias em nosso Estado. O nome que eu encontrei espalhado por toda a parte no Google - brizoletas - era, para mim, a designação das letras do Tesouro do Estado que foram usadas, durante parte do mandato do governador, para pagar salários e despesas oficiais. As escolas tinham outro nome, pensei - e em algum escaninho da memória, não sei por quê, fui buscar um esquisito brizolândia. Apesar da aposta contra mim ser de cem contra um, ainda com a esperança de que outros pensassem como eu, lancei aqui a minha dúvida.
Pois em atenção a todos os que me responderam, aqui vão as conclusões da minha enquete: (1) ninguém, nem uma alma viva sequer, ouviu falar na minha brizolândia, que passa a integrar, assim, o meu museu das ilusões perdidas; (2) vários só recordam de ouvir o nome brizoleta ser usado para os títulos, não para as escolas; (3) a maioria esmagadora - incluindo o próprio Sérgio da Costa Franco, que eu tinha invocado como o julgador supremo nesta questão - informou que brizoleta era, no início, o nome dos títulos do Governo, mas logo passou também a designar as escolinhas. Isso para mim encerraria a questão, mas... como dizem os ingleses, the plot thickens ("o enredo se complica", ou, no popular, "o caldo começa a engrossar"): dois leitores, entre eles o meu amigo Léo Iolovitch, foram taxativos: nem brizolândias, nem brizoletas - as escolas eram as brizolinhas! Eu jamais pensaria nesta outra forma!
Uma rápida passada no Google revelou que esta hipótese não é exótica como brizolândia; há alguns exemplos de seu emprego por escrito, e o YouTube traz uma entrevista em que o repórter Caco Barcelos, falando de sua infância no Rio Grande do Sul, enaltece a implantação das brizolinhas (quem quiser ver e ouvir, o linque é goo.gl/9s4iHz). Devemos extrair daqui um precioso ensinamento: se uma palavra criada há tão pouco, mais jovem que muitos de nossos leitores, desperta tantas dúvidas e discrepâncias, o que dizer, então, de vocábulos que surgiram há séculos, antes mesmo da invenção da imprensa? Em gelo assim tão fino e escorregadio, todo cuidado será pouco.
De vez em quando, porém, temos a felicidade de ver fatos concretos corroborarem o que parecia ser apenas uma suposição. Luís Antônio Giron, ao resenhar uma obra sobre o teatro musicado no Brasil do séc. 19, vem confirmar o que muitos acreditavam ser apenas uma lenda urbana: nosso vocábulo baderna, que Houaiss define como "(1) situação em que reina a desordem; confusão, bagunça; (2) divertimento noturno; boêmia, noitada; e (3) conflito entre muitas pessoas; briga, rolo", vem realmente de Maria Baderna, bailarina que deixou a Europa para brilhar nos palcos fluminenses.
Na época, os jovens fãs das estrelas de teatro se dividiam em ruidosos partidos rivais, beligerantes, que "trocavam pateadas, flores, patacas de cobre e gritos em cena aberta". Muitas vezes essas divas eram carregadas em triunfo pelas ruas, despertando a ira dos conservadores e tornando-se alvo de campanhas moralizadoras, o que pouco a pouco foi transformando o sobrenome da atriz em um substantivo que designa qualquer situação de desordem e confusão.
Por fim, um recado para os interessados em literatura clássica e mitologia: de 20 de março a 19 de junho (sempre na quarta-feira), vou ministrar um curso sobre "As Metamorfoses", de Ovídio, nas dependências da Sociedade Germânia (Av. Independência, 1.299). Mais informações no fone (51) 3311-9194.
Cláudio Moreno, escritor e professor, escreve quinzenalmente às quintas-feiras.
CLÁUDIO MORENO
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