11 DE FEVEREIRO DE 2019
DAVID COIMBRA
O cheirador de sapatos
Um japonês foi preso, lá no Japão, porque cheirava os sapatos das pessoas. Bem. Na verdade, foi preso porque roubava os sapatos das pessoas a fim de cheirá-los. Durante um ano inteiro, Endo, esse o nome do cheirador, surrupiou 70 pares de calçados, levou-os para casa e os cheirou intensamente, até atingir o clímax do prazer sexual. Segundo ele confessou à polícia, os sapatos podem ser de homem ou de mulher para satisfazê-lo, desde que tenham sido bastante usados.
Fiquei com pena de Endo. Porque, como diz Caetano, de perto ninguém é normal, e a loucura do japonês é, de certa forma, inofensiva. A maneira que ele encontrou de obter sapatos alheios é que não foi funcional. Endo poderia ter se tornado sapateiro ou abrir um brechó de calçados ou comprar sapatos velhos. Havia alternativas. Mas vá que não achasse tão excitante cheirar um sapato dentro da lei?
Não se pode subestimar as dores da alma. Algo que para a maioria dos seres humanos parece ridículo pode ser muito grave para um espírito atormentado. Li, certa vez, um livro sobre suicídios. Entre diversos casos, o autor relatou o de um garoto de 16 anos que tentou se matar porque seus tênis não eram tão modernos quanto os dos amigos. Dito assim, a impressão que passa é de que o rapazote era uma besta consumista sem limites. Mas não. Os psiquiatras explicaram que a questão dos tênis, para ele, possuía inúmeros significados subcutâneos e que seu desespero por se ver "diminuído", no grupo de amigos, era autêntico.
Cada um tem uma chave que liga e desliga o equilíbrio interno. A paixão, por exemplo, é uma espécie de loucura momentânea. A desilusão também. Gosto da história do imperador Tibério, que enlouqueceu por amor. Ele era casado com uma mulher que adorava, Vipsânia. Mas, quando entrou na rota de sucessão do trono, o imperador Augusto o obrigou a separar-se para contrair segundas núpcias com Júlia, filha dele, Augusto. Tibério obedeceu, só que jamais se conformou. Seguia Vipsânia pelas ruas de Roma, chorando. Uma vez, bateu à porta de sua casa e, quando ela apareceu, rojou- se a seus pés, aos soluços.
Tibério desprezava Júlia e Júlia desprezava Tibério. E o traía sistematicamente com grande parte dos patrícios romanos. Na falta desses, com patrícias também. A infelicidade conjugal tornou Tibério cruel e comprometeu a administração do Estado, depois que ele virou imperador. Pior: seu sucessor foi Calígula, aquele que era tão maluco, que nomeou seu cavalo, Incitatus, senador. Mas ainda viriam Nero, Heliogábalo, Cômodo e muitos mais. A história dos césares é uma crônica de loucos, ainda que tenha sido temperada por biógrafos antagonistas.
Houve outros, tantos outros.
Ivan, o Terrível, primeiro czar de todas as Rússias, que matou o próprio filho durante um acesso de raiva, batendo-lhe com o cetro na cabeça.
Nabonidus, que reinou há quase 30 séculos. Alguns historiadores dizem que foi ele o maior responsável pela decadência da Babilônia, devido aos desatinos da sua administração. De acordo com os Manuscritos do Mar Morto, Nabonidus pensava que era um bode e não era raro que caísse de quatro e saísse comendo grama.
Mustafá I era irmão do sultão do império otomano Amade, no século 17. Amade tinha medo de que ele reivindicasse o trono. Para se proteger, trancafiou-o em um quarto sem janelas durante 14 anos. Depois que Amade morreu, Mustafá foi solto e assumiu o sultanato. Só que o tempo de reclusão o afetara em definitivo. Perturbado, Mustafá divertia-se atirando dinheiro pela janela do palácio. Ele adorava ver o povo se matando para colher as moedas do chão.
Poderia escrever um livro inteiro de lunáticos poderosos, até chegar ao Brasil do nosso século. Há tipos estranhos cercando o governo. Tenho medo deles. Que Bolsonaro dê ouvidos aos sensatos. Que a moderação prevaleça. Ah, como seria bom se os desequilibrados do Brasil fossem apenas cheiradores de sapatos.
DAVID COIMBRA
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