terça-feira, 12 de fevereiro de 2019




12 DE FEVEREIRO DE 2019
DAVID COIMBRA

Podem me criticar!

Nunca compro nada. Nada. Com exceção de livros. Refiro-me a bens duráveis, não a comida e bebida ou serviços. Não compro roupas. Quem compra, para mim, é a Marcinha, quando ela acha que a situação está insuportável. Jamais comprei um perfume ou uma máquina fotográfica. Marcas de carros, conheço as dos anos 70, época em que os modelos eram bem diferentes uns dos outros: Fusca, Opala, Corcel, Kombi, Gordini, DKW, mas confundo Brasília com Variant. Tampouco tenho paciência para eletrônicos e só troquei de celular porque o meu, um que o Juninho tinha me dado, ficava sem bateria a cada meia hora. O capitalismo, se dependesse de mim, estaria perdido.

As redes sociais também seriam dissolvidas se o padrão dos internautas fosse o meu. Minhas postagens são bissextas e só publico opinião por razões profissionais. Se não fosse pago para dar opinião, não daria. Até porque, na maioria das vezes, não tenho certeza de que estou certo.

Conto tudo isso para convencer o leitor de que não sou consumista. Mas também não sou econômico. Se tiver condições, me entrego sem culpa a alguns luxos. Classe executiva, por exemplo. Minha meta, na vida, é só viajar de classe executiva. Quando conseguirei isso? Não nasci para o fundo do avião.

Outra: se tivesse dinheiro, organizaria festas memoráveis para meus amigos. Contrataria o Paulinho da Viola para cantar uns sambas para nós. "Hoje eu vim, minha nega, como venho quando posso. Na boca as mesmas palavras, no peito o mesmo remorso".

Haveria uma dúzia de barris de chopes que seriam servidos gelados e cremosos em copos de cristal, como era no antigo Lilliput. Para quem gosta de espumantes, enfiaria garrafas de Dom Pérignon e do champanhe da viúva em montanhas de gelo criteriosamente dispostas pelo salão. E vinho, claro, seria aquele Romanée-Conti que o Verissimo comparou ao paraíso. Refrigerante não. Na minha festa não tem refrigerante.

Comida? O camarão na abóbora do Antônio, da Lagoinha. A tainha recheada do Arante, do Pântano do Sul. A feijoadinha do Tio Sam, o bar preferido do João Ubaldo Ribeiro, no Leblon. E colocaria o Gera para assar um churrasco com carnes customizadas, se é que você sabe o que é isso.

Ah! Um detalhe importante da minha festa é que, enquanto o Paulinho da Viola estivesse cantando, as bailarinas do Faustão, todas elas, estariam dançando. Para quem não gosta de música ambiente, como o Admar, haveria um bar contíguo e silencioso, mas acho que ele preferiria ficar no salão em que estivessem as bailarinas do Faustão.

Minha festa seria realizada na beira da praia, obviamente, e os convidados que quisessem tomar banho de mar teriam chuveiro com água quente para tirar a poeira do corpo. Para as mulheres, reservaria potes do mais oloroso creme hidratante da Sephora, a fim de lhes deixar a pele macia e luminosa.

Sim, senhor, eu aqui, que não sou dado a pompas materiais, promoveria essa festança para meus amigos. Por isso, não vi nada de mal na festa que o publicitário Nizan Guanaes deu para a mulher dele, Donata, na Bahia, neste final de semana. Foi um festão, com Caetano Veloso cantando e tudo mais. No meio da noite, a aniversariante sentou numa daquelas cadeiras de candomblé, ladeada por duas baianas, e a foto caiu nas redes. Internautas, sempre ferozes, acharam que foi uma cena de sinhazinha com suas escravas. Não foi. Foi uma cena baiana. Um pai de santo poderia estar refestelado naquela cadeira.

Nizan Guanaes tem dinheiro para dar uma grande festa para a mulher dele? Bom para Nizan Guanaes. Bom para a mulher dele. Bom para os convidados. Ruim só é para os amargos. Quem se importa com eles? Podem me criticar quando chegar meu dia e eu, finalmente, só viajar na classe executiva.

DAVID COIMBRA

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