09 DE FEVEREIRO DE 2019
MARTHA MEDEIROS
O mundo cor-de-rosa
Nunca simpatizei muito com o cor-de-rosa e menos ainda com o rosinha bebê. Não gosto de unhas cor-de-rosa, batom cor-de-rosa nem mesmo rosas cor-de-rosa: prefiro as brancas. Acho que o rosa veste melhor os homens, há um charme no contraste com a virilidade, mas em mulher fica óbvio justamente por ser a "nossa cor".
Lembro quando, em 2007, fui à Itália lançar meu livro Divã, que aqui no Brasil teve uma capa cuja cor predominante era o fúcsia: não me opus, tinha caráter. Porém, a capa do Divã italiano (lá se chama Lettino) era um rosinha aguado, um rosinha que avisava que era "livro para moças". O estrago já estava feito, então não reclamei, mas percebendo meu desconforto, os editores justificaram dizendo que as mulheres são as maiores compradoras de livros naquele país (como em quase todos, imagino) e que segmentar e anunciar a obra como um romance "rosa" aumentaria as vendas, ainda que o conteúdo tivesse outros matizes. Agradeci com meu melhor sorriso amarelo.
Estando lá, soube também que em Riccione, no norte da Itália, havia sido inaugurada uma praia exclusiva para mulheres, conhecida como "praia cor-de-rosa". Os guarda-sóis, as boias salva-vidas, as toalhas e os demais acessórios eram todos em tons de rosa. Sem entrar no mérito do tédio monocromático, não entendi a razão desta praia privê. Segundo os idealizadores, era para que as mulheres pudessem tomar banho de sol sossegadas, sem precisar enfrentar o incômodo olhar masculino e sem serem importunadas por "latin lovers". Creio que não emplacou dois verões.
Nada contra um clube da luluzinha de vez em quando, mas não abro mão de conviver com os homens, de com eles bater papo, explorar uma livraria, jogar frescobol, assistir a um filme, trocar confidências - estou dizendo isso sem nenhuma malícia, sem sexo envolvido. Amigo homem é um luxo. Dá outra cor às relações.
Minha implicância com o cor-de-rosa talvez venha dessa sugestão de isolamento: quando falamos que a vida de alguém é cor-de-rosa, queremos dizer que é sem máculas, sem reveses - mas quem é que vive nesta bolha de perfeição? Há muito tempo que as mulheres não habitam mais um planeta cor-de-rosa, resguardadas como se ainda não tivessem saído da infância. Abandonamos o conto de fadas e pulamos pra vida real, com direito a todas as cores, incluindo o preto e o branco. Lutamos muito para ter um cotidiano com mais impacto e apelos visuais mais excitantes. O rosinha dos pés à cabeça é o uniforme feminino clássico e alguns estabelecimentos comerciais ainda impõem esta tonalidade às suas funcionárias. Por quê? Dá uma ideia de presídio feminino. De ninguém entra, ninguém sai. De acesso vetado. De confraria de eternas menininhas. Uma praia que, definitivamente, não é mais a nossa.
MARTHA MEDEIROS
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