02 DE FEVEREIRO DE 2019
MÁRIO CORSO
Smartphones na infância
Imagine um restaurante famoso, bom e popular. Preços acessíveis, os clientes saem satisfeitos, todos conhecem e comentam. Um dia você descobre que os parentes do dono nunca comem lá. Provavelmente você pensará: o que eles sabem que não sabemos? Qual o segredo indigesto que mantém os mais próximos afastados?
Mal comparando, mas nem tanto, os líderes da indústria do Vale do Silício não deixam seus filhos usar, ou usar apenas sob tutela, smartphones e tablets até certa idade. Geralmente permitem depois da infância, alguns apenas depois da adolescência. A pergunta é a mesma: o que eles, que passam a vida construindo e vendendo essas máquinas, sabem que não sabemos?
O New York Times publicou um artigo de Nellie Bowles sobre o assunto. Essa jornalista, especialista em cobrir o mundo da tecnologia, relata quão impopular, entre os profissionais que mais se destacam nessa profissão, é deixar seus filhos usarem tecnologia digital. Zero Hora reproduziu o artigo na edição de 5 de janeiro.
Seria uma cautela exagerada? Um protesto romântico contra a tecnologia na infância? Afinal, temos exemplos de tecnologias ou produtos culturais nos quais a geração anterior, que a conheceu apenas na idade adulta, ou nunca, teve dificuldades de aceitá-la para os seus filhos e imagina os piores vaticínios aos usuários precoces.
Lembrem que os quadrinhos destruiriam o hábito de leitura, a televisão imbecilizaria uma geração, os video- games incitariam à violência. Pesquisas sérias nunca encontram esses malefícios apocalípticos. Aliás, os pais adoram essas teses, pois, quando a educação falha, a culpa viria de fora. Não estaríamos diante de mais uma profecia tonta?
Creio que não. A preocupação deles é pelos mecanismos de prazer envolvidos. Os aplicativos são programados para viciar, dão recompensas na ilusão de que você comanda uma performance em que é comandado. Treinam o cérebro em circuitos de respostas positivas rápidas como as drogas. Isso cria um usuário de tiro curto, sempre esperando ganhos. Habituam o cérebro à facilidade e não à dificuldade. De onde vocês acham que vêm as raízes da hiperatividade infantil endêmica?
Ainda, o corpo fica ausente. As crianças precisam desenvolver proezas motoras. Há uma inteligência e graça do corpo que é adquirida nessa etapa através das brincadeiras de movimento. Excesso de atividade virtual desencoraja a real por ser mais árdua.
Um dos grandes desafios da infância é a socialização extrafamiliar. Desenvolver as sutilezas da aproximação com os outros. Você acredita que mergulhar os olhos obsessivamente numa tela ajuda?
Perceba o que esses gadgets fazem com os adultos. De fora é patético ver alguém mesmerizado pelo celular, ignorando o entorno. Você realmente gostaria de treinar o cérebro plástico do seu filho desde cedo para desligar-se da realidade?
MÁRIO CORSO
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