09 DE FEVEREIRO DE 2019
SEGURANÇA
SETE PASSOS DO INQUÉRITO DE ANTA GORDA
Para desvendar o sumiço do gerente do Sicredi, Jacir Potrich, 55 anos, a polícia se lançou a uma verdadeira trama de possibilidades. De sequestro, suicídio, até chegar a uma briga de vizinhos. Uma a uma, as hipóteses foram esmiuçadas. Algumas ganharam força. Outras, foram descartadas por falta de indícios. O caso - que na quarta-feira completa três meses - jogou holofotes em Anta Gorda, município no Vale do Taquari com pouco mais de 6 mil habitantes.
Após perder o caráter sigiloso, ZH teve acesso ao inquérito entregue à Justiça. Das 302 páginas, 48 são de operações bancárias suspeitas realizadas por clientes do Sicredi. As informações foram exigidas pela polícia e entregues no dia seguinte à solicitação, em 13 de dezembro. Consta também uma sequência de imagens de câmeras com os últimos passos de Potrich: a saída do banco, a passada rápida em casa à tarde, o retorno da pescaria às 19h7min. Foram obtidas gravações de pelo menos sete locais diferentes.
As imagens ajudaram a polícia a entender o que pode ter acontecido no condomínio, construído por Potrich com outros dois amigos - o dentista Carlos Alberto Weber Patussi, 52 anos, e um empresário.
Diferentes hipóteses estavam sendo investigadas. Patussi, que teria se desentendido com o bancário em razão de uma desavença financeira, não virou o alvo número um. Só em 17 de janeiro, o delegado Guilherme Pacífico pediu a prisão do dentista. O homem foi detido em Capão da Canoa, no Litoral Norte, em 23 de janeiro, e solto oito dias depois, após a defesa ingressar com pedido de habeas corpus no Tribunal de Justiça.
O caso saiu das mãos de Pacífico no dia 1º de fevereiro. O delegado deixou o caso para retornar ao Espírito Santo - sua terra natal - e assumir a subchefia da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social. No lugar dele, ficará o delegado Márcio Marodin.
Sequestro de gerente
Inicialmente, a polícia tratou o caso como sequestro com intuito de obter vantagem financeira. A Delegacia de Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) passou a atuar com a DP local. A hipótese ganhava força pelo fato de Potrich ser gerente de banco. No dia seguinte ao sumiço, era esperada a chegada de um carro-forte no Sicredi. Com o desaparecimento do bancário, a rota do veículo foi alterada e chegou à cidade duas horas mais tarde.
Além do banco, a polícia se ateve ao condomínio onde a família morava. Buscas foram feitas com cães farejadores. Até um açude do residencial foi esvaziado. Os investigadores cogitaram a possibilidade de criminosos terem acessado o terreno pelos fundos, onde não há monitoramento. Mas não foram localizados sinais de passagens recentes nem danos na cerca. Com o passar dos dias e sem pedido de resgate, a hipótese de sequestro foi descartada.
Suicídio
O sumiço repentino lançou luzes na hipótese de suicídio. As investigações apontaram que em 13 de novembro - dia do desaparecimento - Potrich seguiu a rotina. Chegou à agência no horário de sempre, almoçou em casa e foi a uma pescaria. Limpou peixes no quiosque do condomínio e tomou caipirinha. Mas objetos sujos fizeram a família desconfiar que os últimos momentos do bancário fugiram ao habitual. Um funcionário do condomínio constatou que Potrich pescou dois tipos de peixes. No freezer, o gerente guardou jundiás, já limpos. Na bancada de serviço, havia escamas de carpas. "Possivelmente, durante a limpeza das carpas, aconteceu o desaparecimento de Potrich", observa a polícia no inquérito. Além disso, facas e outros utensílios deixaram de ser limpos, o que fugiu à personalidade de Potrich, conhecido por "metódico e sistemático". Os investigadores ouviram pessoas que relataram que Potrich e a mulher, Adriane Balestreri Potrich, 53 anos, viviam "ótimo momento pessoal, profissional e financeiro".
"Jacir gozava de boa saúde e estava emocionalmente estável, não recaindo nenhuma suspeição ou motivação para possível suicídio", diz o inquérito. Para a polícia, o suspeito do crime tinha a intenção de mostrar que "Jacir seguiu a rotina e após terminar, decidiu sumir, cometer suicídio".
Vingança de cliente
Um homem que perdeu terras para o Sicredi acabou na mira da polícia. Preso diversas vezes por tráfico de drogas, o suspeito já havia ameaçado o bancário de morte - ele está em prisão domiciliar desde maio. Potrich ia pessoalmente fazer cobranças a devedores "nutrindo desafetos ao longo dessas práticas", analisa o relatório da polícia.
No dia do sumiço, funcionários do banco fizeram, pessoalmente, cobrança a dois fiadores do homem "sendo recebidos de forma agressiva", conforme consta no inquérito.
Devido à suspeita, os telefones do ex-cliente e de outras duas pessoas foram interceptados pela polícia em 19 de novembro, com autorização da Justiça. A intenção era identificar alguma possível extorsão. "Não apareceram elementos de suspeição sobre ele e envolvimento no caso".
A polícia também descobriu que o investigado não estava na cidade no dia do sumiço.
Quadrilha de estelionatários
As investigações apontaram para um grupo de estelionatários com base em Anta Gorda. A quadrilha, conforme o inquérito, abria empresas e não realizava todos os pagamentos que deveria,
"lesando numerosas vítimas".
O grupo quitou valores em uma máquina de pagamento de títulos instalada no escritório de contabilidade da mulher de Potrich e do filho do casal, Vinicíus Ballestreri Potrich.
"Potrich tomou conhecimento e aconselhou Adriane e Vinícius a não mais aceitar qualquer tipo de pagamento efetuado pelos suspeitos, enfatizando que tomaria providência para denunciar a quadrilha."
Oito números de membros do grupo foram interceptados. Nenhum indício que os ligasse ao sumiço de Potrich foi encontrado.
Envolvimento de família de conhecida
Nem mesmo uma mulher próxima à família de Potrich escapou do crivo da polícia. Segundo inquérito, os parentes dessa pessoa têm "envolvimento em crimes graves". Além disso, a abertura de duas franquias de café por um homem que mantém relacionamento com essa mulher foi apurada. O dinheiro para o negócio havia sido emprestado pelo bancário - R$ 600 mil para unidade em Passo Fundo e R$ 450 mil para Erechim. "Informações deram conta de que Potrich não estava satisfeito com a forma que o dinheiro seria restituído, nem com a sociedade da franquia de Erechim", no qual figuravam como sócios essa mulher, um irmão e a mãe dela. A polícia grampeou o telefone da família da jovem e, após 15 dias, foi descartado o envolvimento dos parentes dessa mulher no sumiço.
relação com caso de mato grosso do sul
A ida de um sobrinho do casal, Arthur Gonçalves Balestreri, 24 anos, de Mato Grosso do Sul a Anta Gorda intrigou a polícia. O jovem chegou à cidade em abril do ano passado. Recém-formado em Contabilidade, afirmou que recebeu convite de Adriane para trabalhar no escritório dela. Mudou-se e passou a morar na casa dos tios.
O pai dele, Valdir Balestreri, foi morto em 2004 em Campo Grande (MS). O caso nunca foi solucionado. Natural de Anta Gorda, foi para o Centro-Oeste trabalhar. Demitido, ingressou com ação trabalhista. Logo depois, foi assassinado. Em novembro, a Justiça determinou o pagamento de R$ 800 mil à família. "Informações deram conta de que Jacir interveio nas investigações da morte de Valdir, bem como na ação trabalhista, o que teria desagradado aos herdeiros", diz o inquérito. A polícia chegou a suspeitar que o desaparecimento pudesse ser uma vingança. No dia do sumiço, o sobrinho trabalhou e, depois, foi a um salão. Câmeras mostram Arthur chegando ao condomínio às 20h29min, quando nota a ausência de Potrich. Telefonou para a tia, que estava em Passo Fundo. Ela tranquilizou o sobrinho, dizendo que o bancário tinha ido pescar.
A hipótese de uma vingança acabou descartada, a partir de documentos aos quais a polícia teve acesso - não há detalhes sobre o conteúdo do material.
Briga de vizinhos
Um dia após o sumiço, os policiais já sabiam da desavença entre Potrich e o vizinho Carlos Alberto Weber Patussi. Com o passar dos dias, a desconfiança em relação ao homem foi crescendo. Havia resistência dele em ceder o computador no qual estavam imagens de câmeras de segurança. Outro morador, considerado o apaziguador da rivalidade entre os dois, ajudou os agentes a ter acesso ao material.
Horas depois, Patussi exigiu a devolução, alegando fragilidade na segurança do condomínio. Devido ao tempo limitado, os investigadores só conseguiram copiar as imagens do período das 19h à 0h1min. Uma testemunha afirmou que o equipamento foi trocado pelo suspeito. A polícia entendeu o gesto como uma forma de "eliminar provas contra si".
A partir das imagens, a apuração concluiu que Patussi foi a última pessoa a ver Potrich no quiosque, após chegar da pescaria. Estava no condomínio também a mulher do dentista, que entra em casa, toma banho e sai. Ela permanece no local por 37 minutos. As câmeras gravam o momento em que Patussi volta do quiosque, sobe no telhado, analisa o local, desce e mexe em duas câmeras. Uma delas é apontada para o alto e a outra é desligada.
Segundo a polícia, o dentista apresentou versões diferentes para a movimentação dos equipamentos. Falou em "limpeza das câmeras", citando teias de aranha e retirada de ninhos de pássaros. Para os investigadores, o motivo era outro: "alterar o foco, intencionalmente, impedindo que a parte dos fundos de sua casa fosse vigiada, permitindo assim a livre circulação, após aquela movimentação suspeita flagrada".
As imagens comprovam que o homem tentou agilizar a saída da mulher, manobrando o carro dela. À polícia, ela disse que o marido estava "nervoso, ansioso, insistindo para que ela fosse para Porto Alegre logo, pois teria um temporal".
O desinteresse de Patussi no sumiço do vizinho despertava a desconfiança da polícia. As interceptações telefônicas permitiram que a polícia identificasse "contradições, mudanças de comportamento e criação de álibis". Durante as buscas no condomínio, realizadas por dois dias, as ações policiais eram relatadas ao suspeito por um funcionário dele.
Ele disse à polícia que teria subido ao telhado para verificar o serviço realizado pelo pintor na caixa d?água. Os investigadores constataram que não houve preocupação em analisar o serviço, a ponto de ele encostar na parede da chaminé - que deveria estar com tinta fresca. "Não estava agindo normalmente."
Entre as razões apontadas para o dentista ser considerado suspeito está uma desavença decorrente da troca de endereço do Sicredi. O antigo imóvel fica em frente ao atual e é de propriedade do dentista. Segundo testemunhas, Patussi se sentiu "traído por não ter sido avisado da troca de endereço".
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