sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019


08 DE FEVEREIRO DE 2019

DAVID COIMBRA

Da borboleta para a lagarta

A genialidade de Walt Disney foi fazer os bichos falarem. Ao transformar animais em personagens que se comportam como humanos, ele estabeleceu ligação direta com a alma das crianças de todas as nacionalidades. Porque crianças pequenas são como bichos: o que elas gostam de fazer é brincar e comer coisas gostosas e dormir quando têm sono, não muito mais do que isso. A criança pequena olha para outra criança ou para um cachorro e se sente à vontade. Sente-se entre iguais. Se olha para um adulto, de imediato intui que há diferenças. Ali está outro tipo de criatura, e com ela talvez seja preciso tomar cuidado.

Curioso: o ser humano nasce como borboleta e aos poucos vai virando lagarta.

Você pode medir a metamorfose do ser humano pela relação que ele tem com os animais. Crianças pequenas se identificam com os bichos. Elas poderiam viver em Patópolis, a cidade dos patos. Suas músicas preferidas são A Galinha Magricela ou A Dona Aranha. Tudo muito natural, porque crianças pequenas veem os bichos como crianças pequenas.

Crianças em segunda infância já encaram os bichos como subalternos, que podem ser seus amigos ou não. Essas até podem maltratar intencionalmente um bicho, se acharem divertido, o que jamais faria uma criança pequena. Uma criança pequena, como um bicho, não tem malícia nem é capaz de crueldades. Se ela faz algo de ruim, é porque não sabe que aquilo é ruim. Já o adulto sabe e, ainda assim, faz. Por divertimento perverso, por perversidade crua ou por algum tipo de lucro.

Ontem, no Timeline, da Gaúcha, vi cenas daquele homem que foi detido por capturar e vender tartaruguinhas. Um parêntese: engraçado dizer que "vi" em um programa de rádio, mas é isso mesmo. Hoje o rádio é visto. No caso, no site GaúchaZH. Fecha parêntese.

Como dizia, vi como o homem atirou as tartaruguinhas em um grande saco plástico, jogou-o no banco de trás do carro e partiu para uma viagem de seis ou sete horas de duração, até o local em que elas seriam vendidas a R$ 50 cada uma. Os bichinhos estavam sem água, sem comida, sufocados, amontoados uns sobre os outros, sofrendo, alguns morrendo.

Por que ele não se importava se as tartarugas estavam morrendo ou não? A resposta está na primeira frase: porque elas não falam. Tartarugas não mugem nem tugem. Tartarugas são mudas.

É assim que funciona: no mundo adulto, se você não grita quando está incomodado, vão continuar incomodando. Por isso, entendo o protesto das minorias humanas, mesmo que às vezes seja exagerado. É mais fácil de fazer mal a quem não fala.

DAVID COIMBRA

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