terça-feira, 5 de fevereiro de 2019


05 DE FEVEREIRO DE 2019
ARTIGOS

QUEM PODE MEXER COM LOBATO?


Monteiro Lobato está na pauta de novo. Com a passagem da obra para domínio público, voltam a aparecer na imprensa textos engajados com a defesa do autor. E não é por mérito estético o interesse; Lobato torna- se mais rentável para as editoras, que visam ao lucro em cima do conjunto de uma obra agora livre de herdeiros legais. Para curiosos sobre o grau de racismo de Lobato, basta mencionar sua simpatia pelo grupo violento Ku Klux Klan. 

Todavia, para não ser acusada de falar só da vida pessoal do autor, é a obra que preocupa. Diversos títulos devem ganhar evidência, mas especialmente os relacionados ao Sítio do Picapau Amarelo, beneficiado pelo respaldo da adaptação televisiva popular nos 1970/80. Não por acaso, nessa adaptação, como em tantas da TV, a tensão racial foi docilizada, e o conteúdo explicitamente racista, apagado.

Nem censura nem docilização é o que prega o movimento social negro há algumas décadas quando denuncia as ideias racialistas e preconceituosas de Lobato.

Acusado de radical por ser justamente o mais afetado, esse grupo prega a necessidade de a obra chegar às escolas acompanhada de mediação antirracista. Também critica a tentativa de pesquisadores de literatura de apagar a trajetória intelectual de Lobato, como se fosse possível afastar do autor o projeto que ele mesmo tinha de descrever o Brasil por meio de seus livros. 

Infelizmente a energia gasta atacando o movimento negro, considerado um censor, faz falta para problematizar sobre obras adaptadas de Lobato, que limpam o conteúdo racista, livrando-o do que não pode ser mais aceito publicamente - vide o trabalho de Mauricio de Souza e Pedro Bandeira com seu Sítio para o século 21.

O mesmo espaço democrático que interdita censura às obras de ficção demanda também a manutenção de espaços de debate onde sejam enfrentados os desafios de adotar obras como as de Lobato no sistema escolar público. É preciso refletir sobre a forma como pesquisadores majoritariamente brancos têm conduzido a recepção aos textos do autor, em órgãos de cultura e educação nos quais nós, negros, somos excluídos das decisões que poderiam conduzir a uma efetiva política antirracista.

Jornalista e editora-geral da Figura de Linguagem - FERNANDA BASTOS

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