segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019



04 DE FEVEREIRO DE 2019
DAVID COIMBRA

Os ombros de Gisele Bündchen

A Gisele Bündchen disse que não gosta dos seus ombros. Não os que sustentam a sua cabeça, lindo leitor: os dela, Gisele. Li isso no livro que ela escreveu e nem pulei para o parágrafo seguinte: fui correndo ver fotos dos ombros da moça na internet. Bons ombros. Magros. Lustrosos. Têm um ossinho saltado.

Lembrei que, certa feita, um jornalista perguntou para Catherine Deneuve se havia alguma parte do corpo dela da qual não gostava. Deneuve, lá de cima daquele pedestal em que vive, respondeu:

- A minha orelha direita.

Era uma graça de Catherine, é claro. Ela é uma mulher cheia de perspicácia e suave ironia. No caso de Gisele, não. Gisele não faz esses desvios de rota quando se manifesta. Ela não gosta, mesmo, de seus ombros.

Estive a 30 centímetros dela esses dias. Somos vizinhos, já contei isso. Ela veio dar uma palestra em uma livraria perto de onde moro. Era um evento fechado, para poucas pessoas, mas consegui entrar. Havia umas 40 mulheres sentadas em cadeirinhas distribuídas em fileiras no subsolo da livraria, que funciona como um sebo. As paredes, portanto, estavam cobertas com estantes de livros. Havia homens, também, mas em minoria: uns cinco ou seis. Fiquei de pé, perto do microfone e da banqueta de onde Gisele falaria.

Quando ela entrou, pela porta dos fundos, as mulheres fizeram aaaaaaah? Gisele atravessou a sala sorrindo, com confiança. Como não teria confiança? Assisti àquele que talvez tenha sido o desfile mais famoso de sua vida, no Maracanã, na abertura da Olimpíada de 2016. Ela percorreu os cem metros do gramado, ao som de Garota de Ipanema. Fez o trajeto sozinha, com as luzes do estádio apagadas, debaixo de 60 mil pares de olhos nas arquibancadas e sabendo que a cena estava sendo transmitida para 1 bilhão de pessoas pelo mundo. 

O que ela fez? Ela apenas caminhou. Fez algo que todo mundo faz, todos os dias. Mas QUE caminhada! Sem pronunciar uma só palavra, sem dançar, sem representar o que quer que fosse, apenas caminhando, Gisele deu um show inesquecível. Dourada como uma leoa, esguia como um potro, Gisele foi, naquele momento, o mais belo animal que pisava sobre o planeta Terra. Mais do que Pelé, Rivelino e Zico em qualquer domingo de futebol, Gisele deixou o Maracanã hipnotizado naquela noite.

Agora, na livraria, movendo-se dentro de botas que lhe subiam até os joelhos (e com os ombros tapados), Gisele parecia sentir-se em casa. Acomodou-se, tomou o microfone, pediu que os celulares fossem desligados e disse:

- Agora, gostaria que todos fechassem os olhos e respirassem fundo três vezes.

Ela fez isso. As pessoas fizeram isso. Eu fiquei olhando. Depois, por cerca de meia hora, Gisele falou sobre como viver bem e tal. E contou que, em 2001, exatamente na época em que foram derrubadas as Torres Gêmeas, sofreu um ataque de pânico. A mulher mais linda do mundo, rica, admirada, egressa de uma família amorosa e bem constituída, descrevia, com certa dor, a angústia pela qual passou e como se esforçou para superá-la. Ali estava uma mulher tão perfeita que, se fosse se queixar de algo na vida, seria do formato de seus ombros, e, ainda assim, ela também foi vítima das ansiedades da existência.

Talvez você ache que essa é uma má notícia: significaria que nem possuindo fama, dinheiro e beleza o ser humano tem paz. Mas é o contrário. Significa que não é preciso possuir fama, dinheiro e beleza para ter paz. É preciso, apenas, levar, acima dos ombros, uma cabeça habitada por bons pensamentos e, abaixo deles, guardar no peito um coração leve. Quanto aos ombros? Contente-se com uns meio feinhos, como os da Gisele Bündchen.

DAVID COIMBRA

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