sábado, 16 de fevereiro de 2019



16 DE FEVEREIRO DE 2019
CLAUDIA TAJES

Deputada Paulinha

Confesso. Quando vi o decotão dela em meio a uma coleção de fotos bizarras dos novos deputados e senadores tomando posse, achei que fosse, sei lá, uma ex-BBB ou outra subcelebridade dessas que sempre se elegem por causa de um decotão. Ah, essa mania de julgar os outros. Bonitona, maquiada, de vermelho, toda justinha e com aquele decote, hum. O que essa dona quer na Assembleia de Santa Catarina?

Só que, antes de chegar à Assembleia de Santa Catarina, a dona do decote, Ana Paula da Silva, do PDT, já tinha uma carreira política bem mais consistente do que a da grande maioria dos seus colegas engravatados - gravatas horrendas, no mais das vezes. A Paulinha, como é conhecida, foi por dois mandatos consecutivos prefeita de uma das cidades-praia preferidas dos gaúchos, Bombinhas. E deixou a prefeitura com a aprovação lá em cima para ser a quinta deputada estadual mais votada pelos catarinenses, com mais de 51 mil votos. Só aí a gente já vê que a mulher merece respeito.

Mas não é o que vem acontecendo. Quando chegou em casa depois da posse e abriu seu Twitter, a Paulinha viu que tinha virado alvo por causa do decote. E quase não acreditou na violência das mensagens que leu, grande parte vinda de mulheres. "Não se trata de esquerda e direita, mas de um conservadorismo desnecessário que está chegando por intermédio das redes sociais a uma parcela da população (...). Estimula a violência contra os diferentes. 

E não é só contra a mulher, vai contra a pessoa que tem uma orientação sexual diferente, por exemplo. A violência está vindo em uma escala muito generosa. O poder judiciário brasileiro precisa endurecer nas punições. Eu tenho duas filhas, eu tenho uma mãe de 79 anos. Ninguém gosta de ver quem ama ofendido e xingado desse jeito. Estou sendo xingada apenas porque eu usei uma roupa que as pessoas não acharam apropriada", disse ela ao Terra. O assustador é que muitos desses impropérios trazem junto alguma menção religiosa. Como se religião, qualquer que seja, combine com se querer o pior para uma mulher por causa de um macacão decotado.

Os dois mandatos da Paulinha, de 2012 até o ano passado, focaram principalmente na saúde e na educação - áreas em que também pretende atuar na Assembleia. A gestão dela construiu a maior escola de educação integral do Brasil financiada com recursos públicos. Trilíngue, será inaugurada no início do ano letivo catarinense, agora em março. Também o atendimento da saúde pública de Bombinhas melhorou comprovadamente, com a diminuição das filas nas especialidades médicas. Quantos dos nobres colegas da deputada têm um currículo assim para mostrar?

Às perguntas sobre se não teria quebrado o decoro com seu figurino, Paulinha disse saber de cor o regulamento da Casa - que, em nenhuma linha, faz qualquer menção a decotes. O traje exigido, passeio completo, era o que ela usava - com as todas as interpretações possíveis. Os colegas de camisa apertada, um botão aberto na barriga, o umbigo e os pelos saindo para fora, também estavam de passeio completo. Ao mau gosto deles, nenhuma crítica.

Para Paulinha, a reação das pessoas faz todo sentido dentro da nossa visão (desculpas a quem acha isso mimimi) machista. "A mulher precisa provar todos os dias que é competente. Sempre que uma deputada tem uma pauta e fala um pouco mais é porque é chata, é prolixa ou louca. A gente sempre tem um adjetivo para as mulheres políticas. Um senão para pontuar a sua conduta quando ela é guerreira. No meu caso, nesse momento, foi a roupa." E você vai mudar o estilo para não se incomodar de agora em diante, Paulinha? "Com certeza não. Agora que eu não posso mesmo arredar o pé. Como vou ser uma representante digna das mulheres se agora, depois de tudo isso, de tanto apanhar, eu voltar atrás?" Dá-lhe, deputada.

Decote não tem nada a ver com caráter e competência. Que o digam muitos dos nossos políticos abotoados até o pescoço.

CLAUDIA TAJES

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