19 DE FEVEREIRO DE 2019
CARPINEJAR
A esperança na linha pontilhada
Minha infância foi de cupons. A mãe cortava cupons de descontos de jornais e revistas. A linha pontilhada formava a nossa retaguarda financeira. Tínhamos uma gaveta na cozinha na qual colecionávamos os descontos e os possíveis prêmios.
Juntando 10 cupons, ganharíamos um jogo de panelas. Levando um cupom ao supermercado, teríamos metade do preço de um determinado produto. A cada retirada de um prêmio, festejávamos por baratear a rotina.
Sentíamo-nos em vantagem diante do resto do bairro. Os troféus espalhavam-se pelas estantes e prateleiras da sala e da cozinha.
É evidente que nada vinha de graça, dependia da disciplina de guardar os papeizinhos, de se lembrar de cumprir as regras e de respeitar os prazos de vencimento.
O que a mãe mais gostava era quando uma visita elogiava um suvenir garantido pelos recortes.
- Que bonito!
- Pois é, trata-se de um presente.
Não completava o raciocínio dizendo de onde vinha o presente, o diálogo se reduzia a um enigma. Nas entrelinhas, ficava sendo um regalo do destino, dos anjos, de Deus. O sucesso materno se resumia em saber guardar segredo.
Os saldos movimentavam as nossas manhãs. No café, entre as manchetes do jornal, alguém sempre gritava: "Olhe aqui essa barbada!". E recebia, no ato, reverência de todos.
Aliás, a mãe mantinha paixão por cupons e o pai por classificados. Formavam o casal das ofertas imperdíveis. Ambos trocavam figurinhas, exclamações, hipóteses e planos de investimentos. Perdiam horas cogitando como seria a vida com uma aquisição que jamais seria concretizada.
O pai revirava os classificados mesmo sem capital para comprar alguma coisa. Analisava a localização e o tamanho de apartamentos, vistoriava modelos dos carros e os seus respectivos anos, caçava terrenos que poderiam duplicar de valor dentro de dois anos. Não apenas lia, assinalava os negócios com caneta vermelha e até telefonava para os proprietários, disposto a maiores informações.
Ninguém em casa enriqueceu. Mas, naquela época, divertíamo-nos muito com a esperança.
CARPINEJAR
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