sábado, 9 de maio de 2009


Claudio de Moura Castro claudio&moura&castro@cmcastro.com.br

Uma Mona áspera

"Na educação, apesar dos resmungos de alguns, muito pode ser feito sem que sejam necessários recursos extravagantes"

A Mona Lisa resplandece no Museu do Louvre. Sua xará, Mona Mourshed, assina pesquisas na famosa empresa de consultoria McKinsey. Com seu sorriso enigmático, a primeira Mona é suave, é lisa. Já a segunda é áspera, pelo impacto dos seus estudos.

Seu ensaio sobre educação ("Como os sistemas escolares de melhor desempenho chegaram lá") é um admirável sumário dos resultados de centenas de trabalhos que se acumulam nos últimos anos. Embora seja voltado para países desenvolvidos, suas apresentações no Brasil tiveram grande repercussão.

Ilustração Atômica Studio

Vejam que situação curiosa. Lendo o ensaio, não discordo de nada. Mas temo que tenha causado mais mal do que bem nas terras tupiniquins. Como assim? Um remédio potente precisa ser receitado com muito cuidado e para o paciente certo. A poção de Mona não serve para o Brasil. Isso porque o tema do primeiro capítulo polariza toda a mensagem: "A qualidade de um sistema de educação não pode exceder a qualidade de seus professores".

Nas discussões das quais tive notícia, o debate não foi além desse capítulo. Considerando que a educação da maioria dos estados americanos não está à altura da sua extraordinária riqueza, Mona lembra que seus futuros professores provêm do terço mais fraco dos graduados de suas high schools. Em contraste, Coreia e Finlândia recrutam os melhores graduados e têm ótimos resultados. Para quem já tentou quase tudo, falta atrair excelentes professores.

Quando esse resultado aterrissa no Brasil, registramos que a grande maioria dos nossos professores é também recrutada entre os mais fracos do ensino médio – além de receber péssima formação. Porém, não há dinheiro para pagar salários muito mais elevados. Mesmo que o fizéssemos, seriam trinta anos para renovar o quadro, já que eles são estáveis. Tal diagnóstico é uma bomba atômica de pessimismo.

Estamos condenados, pois o ensaio começa com o epitáfio: bom ensino só com excelentes professores. Mas vejam o segundo capítulo: "A única maneira de melhorar os resultados é melhorar a instrução". Contradiz o primeiro! Ou seja, com os mesmos professores é possível obter muito mais. De fato, traz conselhos para tornar mais produtivos os professores existentes. O problema é que essa mensagem ficou obliterada pelo impacto derrotista do início.

Lemos no segundo capítulo: "O papel da escola é assegurar que quando o professor entra na sala de aula tenha todos os materiais disponíveis, junto com o conhecimento e a vontade de melhorar o ensino". É preciso ajudar o professor a empregar as práticas apropriadas, motivá-lo e fazer com que conheça suas deficiências. Igualmente proveitoso é selecionar para a direção da escola os professores mais entusiasmados, criativos e com capacidade de liderar.

É necessário ter programas explícitos e livros excelentes. A formação dos novatos se completa dentro da sala de aula, sob a supervisão de mestres experientes que sabem manejar a classe e usar os materiais de ensino.

De fato, é possível fazer bastante em pouco tempo. Em alguns municípios de Minas Gerais, entre 2007 e 2008, os testes de alfabetização (na 2ª série) mostraram uma queda substancial na proporção de alunos com desempenho baixo ou intermediário (ou seja, que não aprenderam a ler). Há casos espetaculares.

Em Ouro Branco, por exemplo, uma escola baixou de 42% para 10%. Em Maravilhas, de 43% para 1%, e em Itabirito, de 23% para 0%. Isso aconteceu em municípios participantes do sistema de gestão da Fundação Pitágoras – sem trocar professores! Colocando todos a remar na mesma direção, definindo e dando foco às prioridades, todos colaboram para identificar os problemas, resolvê-los e valorizar os sucessos. Gestão é isso.

Essa é a leitura correta do ensaio de Mona. Não adianta sonhar com professores finlandeses e ser engolfado pelo pessimismo. Na educação, apesar dos resmungos de alguns, muito pode ser feito sem que sejam necessários recursos extravagantes. De fato, como mostra o artigo, gastar muito não assegura boa educação.

Se houver a "Grande Reforma da Educação Brasileira", será o somatório dos ínfimos gestos que corrigem erros do passado e introduzem práticas eficazes. Será fruto da insistência obsessiva em melhorar o "feijão com arroz" da sala de aula, ano após ano. Na tradução zen, "todo dia melhorar um pouco, todo dia fazer um pouquinho melhor".

Claudio de Moura Castro é economista

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