segunda-feira, 11 de maio de 2009



11 de maio de 2009
N° 15966 - LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


O outro

Nossa civilização com facilidade esquece-se do Outro.

O Outro nem chega a ser o inferno de Sartre; classificar o Outro como “o inferno” até seria alçá-lo a certa dignidade, se pensarmos nos ilustres habitantes do Hades de Dante Alighieri. Sequestrados pelo Eu que nos habita, não há espaço para o Outro; por conseguinte, não há espaço para a compaixão, esse vocábulo banido pelo léxico contemporâneo.

Mas o Outro existe, firme e constante, com sua presença indiscreta, constrangedora: estende-nos a mão numa sinaleira, é nosso subalterno no trabalho e na casa; veste-se pobremente. Ou então está ao pé de nós, necessitando de uma palavra.

Não: como inimigo do Eu, o Outro é o inimigo imediato, e inimigos devem ser exterminados, como em qualquer guerra. Toda guerra tem sua tática e sua estratégia. A estratégia para eliminar o Outro é simples: basta torná-lo um holograma que possamos desligar no momento em que o desejarmos.

Livres do Outro, sobra um espaço infinito para o Eu. Nunca, em toda a História, esse pronome foi tão escrito e tão pronunciado. Trata-se de uma perigosa assimetria, pois essa arrogância, esse oceano de arrogâncias, acaba por arranhar a própria civilização que vimos construindo em milênios de penosa História.

Sua face mais notória é a crescente e alarmante violência, que não deve ser reduzida apenas às manchetes dos homicídios, roubos, estupros e outras psicopatologias. A violência solerte, admitida com certo grau de normalidade e condescendência, é verificada no dia-a-dia, nas pequenas infrações, nas minúsculas prerrogativas de que não abrimos mão, nas prepotências do maior sobre o menor.

É uma pena que seja assim. Algo incontrolável e inconcebível está a ocorrer subterraneamente, e sob as bênçãos dos mais fortes, como se pode concluir.

Salvam-nos alguns indícios de reação, e isso fica para a próxima crônica

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