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sábado, 9 de maio de 2009
09 de maio de 2009
N° 15964 - CLÁUDIA LAITANO
Madeleines
Mesmo quem nunca leu uma página de Proust conhece a história do bolinho em formato de concha que puxa sete volumes de lembranças da memória do narrador de Em Busca do Tempo Perdido.
As madeleines tornaram-se as mais conhecidas iguarias da literatura universal (mais populares, inclusive, do que o próprio livro) porque com elas Proust deu forma e conteúdo a uma experiência cotidiana universal: a associação de uma impressão sensorial qualquer (um gosto, um cheiro, uma certa luz, um tipo especial de prazer ou de desconforto, uma música) com um determinado conjunto de memórias ligadas a uma época, um lugar, uma situação, uma pessoa.
Como se a nossa vida inteira, arquivada de forma nem sempre muito lógica, permanecesse encaixotada no porão da nossa memória apenas à espera de um convite dos sentidos para voltar à cena – não exatamente como uma reprodução fiel dos acontecimentos, mas como uma espécie de “romance baseado em fatos reais”.
Faço parte de uma das últimas gerações de filhos criados por mães que trabalhavam exclusivamente como donas de casa. Para essas mulheres que preparavam o almoço todo dia para cinco ou seis pessoas, nem sempre muito atentas à divisão de tarefas, a cozinha tinha muito pouco do glamour de quem hoje usa seus dotes culinários para preparar um risoto de uvas brancas para os amigos no fim de semana.
Ir à feira, cozinhar o feijão enquanto colocava as roupas de molho, arrumar as camas, varrer a casa, toda essa rotina cansativa e pouco valorizada, tinha seu fugaz momento de glória na hora do almoço – quando mesmo maridos e filhos desatentos eram obrigados a reconhecer que por trás daquele bife aparentemente banal ou do singelo bolinho de batatas recheado havia técnica e talento, além de um inimitável toque pessoal.
Nós, as mães que raramente almoçam com os filhos durante a semana e que no domingo lotam os restaurantes até o meio da tarde, deixaremos outro tipo de memórias, não tenho dúvida – mas haja talento para substituir à altura um bolinho de batatas recheado...
Para os que tiveram a sorte de ter mães que cozinhavam bem e sempre, a mesa de todo dia abastece boa parte das lembranças associadas à infância e ao aconchego materno. Esta semana, comendo em um restaurante desses que servem refeições para executivos (eles também não almoçam mais em casa), fui surpreendida por um momento proustiano.
Uma coxa de galinha temperada e refogada de uma determinada maneira, perfeita em sua trivialidade, me transportou para uma série infinita de almoços em família – o som do rádio sintonizado no “noticioso”, as conversas desencontradas, minha mãe controlando a quantidade de comida ingerida por cada um dos filhos como se uma garfada a menos fosse o primeiro passo para a desnutrição.
Este será meu primeiro Dia das Mães sem o gosto dessa comida insubstituível. A surpresa, não tão surpreendente assim, é que nossas mães são um pedaço tão imenso do que a gente reconhece como a nossa identidade que todos os dias, nos gestos e momentos mais banais, surgem memórias ligadas a elas que aliviam um pouco a brutal saudade física que a morte delas nos causa.
(E já bem velhinhos e esquecidos de quase tudo, se esse for script da cena final, não tenho dúvida de que é o conforto e o aconchego delas que vamos desejar até o último momento.) A propósito: minha mãe, como o bolinho mágico da memória, também se chamava Magdalena.
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