sábado, 2 de maio de 2009



03 de maio de 2009
N° 15958 - DAVID COIMBRA


O Mano, o Che, o pó e o terno

No filme “Che” há uma cena sutil, breve, porém deliciosa, para mim a melhor de todas as duas horas e 10 minutos de ação, que é a seguinte: o Che está sentado em um sofá, esperando para ser entrevistado por uma TV norte-americana. Trata-se de uma figura imponente, a imagem da virilidade: o guerrilheiro latino, já tornado célebre, metido em seu uniforme militar, calçado de coturnos duros, os cabelos longos ondulando boina afora, a barba revolucionária a emoldurar o rosto expressivo.

É deste personagem que uma jovem americana se aproxima, vacilante. Estaca a um metro do sofá. Balbucia em um inglês traduzido pelo intérprete acomodado ao lado do grande argentino:

– O comandante permite que lhe faça maquiagem? O Che sorri. Balança a cabeça, entre divertido e irônico.

– Não, não... – recusa. E dispensa a maquiadora. Mas, vendo-a se afastar, vira-se para o intérprete e especula:

– Talvez um pouco de pó... A frase é tão surpreendente que o intérprete não entende. Ele repete:

– Pode ser um pouco de pó...

Um pouco de pó. No Che Guevara! O Che, que não gostava nem de tomar banho. Seus contemporâneos relatavam que ele exalava um cheiro azedo e que, certa feita, despiu as cuecas, equilibrou-as de pé sobre uma pedra e ali elas se quedaram, em posição de sentido no meio da selva inóspita, testemunhas eloquentes dos sacrifícios que um idealista era capaz de fazer pela Revolução.

O Che, que, detido pelo exército boliviano no alto dos Andes, manietado, ferido, sujo e desgrenhado feito um urso, foi colocado diante do fuzil que lhe tiraria a vida, e então olhou nos olhos do homem que portava a arma assassina, e ergueu o queixo e, percebendo que o carrasco tremia, disse-lhe sem um agá de hesitação:

– Atira, covarde. Vais matar um homem.

Foi esse guerreiro indomável que conjeturou:

– Talvez um pouco de pó...

Che Guevara passou ruge para aparecer na televisão. Ruge! Mas a pequena vaidade, em vez de rebaixá-lo, humaniza-o. Também o Che Guevara queria parecer atraente diante das câmeras, afinal.

Essa semana mesmo entrevistei o técnico Mano Menezes e falamos de um assunto correlato. Perguntei-lhe sobre o Novo Técnico, o técnico que lida profissionalmente com o marketing, que tem site na internet e que vai a campo de terno. Mano pode se transformar em um técnico de terno e gravata?, provoquei-o. Gostei da resposta. Mano admitiu que apreciaria usar terno. Pelo seguinte:

– Acho bonito.

Não é mesmo o melhor motivo para um homem entrar num terno? Ele considera que, de paletó e gravata, fica mais belo. Pronto. Simples. Precisa mais?

O lógico, portanto, seria ver Mano enfatiotado à margem da linha lateral. Só que não. Mano está sempre informal durante as partidas. Por quê? Sua razão para isso é igualmente sincera, e igualmente me cativou:

– Não quero ser o único de terno em um estádio. Se estivesse na Europa, onde isso é mais natural e o clima favorece, usaria. Aqui, não.

É a naturalidade que me agrada. É bonito, o Mano gostaria de usar; mas ninguém usa, então ele também não usa. E o Che, decerto que o Che não saía empoado a combater pelas montanhas, mas, se estava numa ante-sala de estúdio de TV, e todo mundo passava pó, por que ele também não?

Respeito as pessoas sinceras e de lógica escorreita. Esse tipo de consideração mostra bem o tipo de pessoa que Mano é: honesto e inteligente. Mano age sem segundas intenções, movido por raciocínio claro e sempre bem fundamentado.

Donde o seu sucesso. Profissionais com tais qualidades sempre vicejam em qualquer atividade. Mano, tenho a convicção, será ainda maior no futebol. Muito maior.

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