sábado, 2 de maio de 2009



02 de maio de 2009 | N° 15957
NILSON SOUZA

A máquina fantástica

Pisei pela primeira vez numa redação de jornal no início dos anos 70, ainda como estudante de Comunicação. Fui com outros colegas fazer um teste para estágio. Era um lugar barulhento e desorganizado, as máquinas de escrever matraqueavam sem parar, papéis amassados voavam entre as mesas, as pessoas fumavam, falavam alto e nos receberam com absoluta indiferença.

Mal me apresentei e um sujeito me entregou um papel com instruções para ir até a Cúria Metropolitana e entrevistar determinada autoridade religiosa.

Não me lembro do que se tratava, mas certamente era algum assunto ameno. Naquele tempo, os bispos eram bem comportados. Bom, mas o fato é que cumpri a minha tarefa, redigi a entrevista e alguns dias depois fui chamado para a minha primeira experiência neste ofício que exerço até hoje com indisfarçável orgulho.

García Márquez, o grande romancista colombiano, escreveu certa vez que jornalismo é a melhor profissão do mundo – e me deu a chance de usar o seu exaltado comentário sempre que quero puxar a brasa para o meu assado sem parecer imodesto. Sei bem que todas as atividades são dignas e que a melhor é aquela que se tem prazer em executar.

Mas amo a minha e gosto de pensar que o autor de Cem Anos de Solidão foi definitivo quando afirmou: “Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são.

Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte”. Assino embaixo. Ou em cima, como se faz hoje.

Já vivi bons e maus momentos do jornalismo, acompanhei mudanças importantes, passei por algumas revoluções tecnológicas e vi o computador transformar completamente aquela sala de trabalho barulhenta do meu início, abrindo janelas para o mundo em cada mesa de trabalho. Mas há um ambiente do jornal que ainda me encanta e impressiona como na primeira vez: a rotativa.

Trata-se mesmo, como sugere o inspirado título do concurso cultural que Zero Hora promove na celebração de seu aniversário, de uma fantástica máquina de fazer jornal. Ela engole gigantescas bobinas de papel e as devolve cortadas, dobradas e impressas na forma de cadernos coloridos, com textos, fotos e ilustrações que dão sentido à vida dos leitores.

Claro, estamos também no mundo online, para que as informações cheguem ao público com a instantaneidade que os novos tempos exigem. Mas ainda é no papel saído daquela máquina mágica que se percebe a palpitação sobrenatural da notícia.

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