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sábado, 3 de novembro de 2007
04 de novembro de 2007
| N° 15408 - Paulo Sant'ana
O corredor da morte
Quando os problemas são reais mas distantes, ainda dá para suportá-los. Mas quando se topa diretamente com as pessoas atingidas nos dramas, quem toma conhecimento deles desaba.
Foi o caso do telefonema que recebi de uma senhora: constatou-se que ela tem câncer no intestino. Sem recursos para custear a operação, inscreveu-se na fila de cirurgia do Hospital Conceição. A fila da cirurgia para câncer.
Sabe o leitor, porque já me leu uma centena de vezes sobre isso, que essa fila pode significar dois, três ou quatro anos de espera.
Essa espera para uma cirurgia de câncer de intestino significa literalmente a morte. Ou seja, qualquer câncer importa tratamento de urgência. Ainda mais o do intestino.
E agora, como é que se faz? Como deve se sentir uma pessoa que sabe que está se desenvolvendo um câncer no seu intestino e mergulha na incerteza sobre quando será chamada para a cirurgia, podendo demorar anos esse chamado?
Como deve se sentir?
Sofro ao conversar com uma pessoa dolorida assim. Porque multiplico por mil essa aflição individual. Isso acontece com milhares de pessoas que se constituem em casos de urgência urgentíssima e são remetidas para uma fila de cirurgia, onde suas esperanças de cura se diluem num desespero existencial.
São milhares de pessoas - e muitas morrem na fila da cirurgia, só serão chamadas depois da morte.
Eu concordaria que se realizassem de quatro em quatro anos todas as Copas do Mundo se, paralelamente, os governos acabassem com essa fila sinistra das cirurgias e das consultas.
E, com apenas 10% do que vão gastar de dinheiro público na realização da Copa do Mundo no Brasil, as nossa autoridades poderiam acabar com essas filas, resolvendo todos os problemas da área da saúde.
Só 10% do que vão gastar na Copa do Mundo, só 10%.
Mas atirar-se ao desperdício da realização de uma Copa do Mundo, com a saúde dos brasileiros exposta assim nos fundilhos, para mim é incompreensível, embora tanta gente esteja apoiando entusiasticamente - o que respeito - a Copa do Mundo de 2014, que será realizada aqui.
Dói, punge e devora o abandono de doentes em filas longas e demoradas, quando tinham de ser atendidos na hora, sem delongas.
É um assunto desagradável, mas não dá para continuar escondendo este lixo debaixo do tapete.
As pessoas das filas da cirurgia são condenadas a uma perplexidade: não entendem como podem ser tratadas assim.
E são mandadas para casa, para o desterro. Condenadas à dor e ao silêncio.
As pessoas dessa fila sinistra tinham de organizar-se e sair às ruas em passeatas, protestando diante dos palácios suntuosos, todos os dias, em todos os turnos, contra esse corredor da morte.
Até que os políticos e os governantes se capacitassem de que com apenas alguns milhões de reais, poucos milhões de reais comparados aos bilhões que serão gastos na Copa do Mundo, se salvariam da morte milhares de pessoas só aqui em Porto Alegre.
Isso é um absurdo. Isso é uma barbárie. E eu não poderia me olhar no espelho se não protestasse quase todos os dias, sei que chatissimamente, contra isso.
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