sábado, 18 de abril de 2020


18 DE ABRIL DE 2020
CARPINEJAR


O aviário das varandas

Nunca as varandas e sacadas foram tão frequentadas. O medo pode confundi-las com gaiolas, já a esperança compreende que são aviários.

Com o resguardo diante da pandemia, elas se tornaram uma espécie de calçada da família. As pessoas viraram namoradeiras de pedra em seus corrimãos.

Você observa os edifícios e sempre tem alguém de vigia no mirante particular. Mesmo as mais estreitas, que não têm espaço nem para uma churrasqueira, vêm servindo para esticar as cadeiras de praia e as pernas. Ter uma abertura ao ar livre, para tomar sol e descascar tangerinas no inverno, para dar uma escapadinha e ver o movimento ou o não movimento das ruas.

Alguns entoam músicas para os vizinhos, outros tocam instrumentos como violão, violino e saxofone.

É uma porção de pássaros nos fios dos parapeitos, cantando, decantando a solidão, controlando o mundo de cima e se esforçando para exercer uma comunicação nova, à distância, pelos sinais e vozes, para alcançar ao menos a solidariedade dos rostos

É a redescoberta das serenatas, das conversas ao entardecer, de apanhar o pôr do sol ou a lua e manchar as camisas com os reflexos da luz. Ainda há aqueles que se trancam ali para fazer sua terapia por chamada de vídeo, isolados dos parentes, protegendo a privacidade das confissões, como se estivessem em antigas cabines telefônicas.

Há os que discutiram e, depois dos gritos dentro de casa, esfriam a cabeça com as sobrancelhas sofridas, pungentes, quase chorando de raiva. Há os fumantes, que tragam espirais de fumaça com lentidão, imitando suspiros à beira do cânion do Itaimbezinho.

Há os jogadores de carteado, do buraco, que montam brincadeiras de cartas com os filhos enquanto esperam o tempo passar. São os mais alegres, fingindo que atravessam um veraneio chuvoso.

Há também os velhinhos que jamais se aproximam do umbral, temerosos da altura, que mantém a sombra e a pele unidas no mesmo passo.

A porta de correr das varandas está mais usada do que a porta da frente. Não duvido que os anjos, os Cristos e as tabuletas de bem-vindo mudem de lugar.

CARPINEJAR

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