segunda-feira, 11 de novembro de 2019



11 DE NOVEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA

República das Bananas

Lula solto? Lula preso? Lula casado? Lula candidato? A mim, pouco se me dá, como diria Ruy Barbosa. Não faz diferença. Lula é importante por ser o vértice do lulismo e objeto de amor e ódio, mas se torna um pormenor diante de questões muito mais profundas que ficaram demonstradas pelo que aconteceu no Brasil nos últimos dias.

Tome o julgamento do Supremo de quinta-feira passada, que mudou o entendimento da prisão em segunda instância. Mas não pense na decisão em si. Não leve em consideração se você é contra ou a favor do resultado. Afinal, havia argumentos consistentes para os dois pontos de vista em debate, tanto que o placar foi de 6 a 5. Separe apenas um ministro: Gilmar Mendes.

Há menos de três anos, Gilmar Mendes defendia acidamente a execução da pena depois da condenação em segunda instância. Nesta semana, ele foi acidamente contra. Se você colocar o Gilmar Mendes de 2016 a discutir com o de 2019, o mais novo apresentará contrapontos para rebater todas as teses do mais velho. Quer dizer: Gilmar Mendes não melhorou de lá para cá. Não houve uma evolução. Houve, tão-somente, uma mudança. Por que ele mudou? Isso até pode ser interessante de se descobrir, mas não é o que pretendo abordar agora. O que pretendo abordar agora é, tão-somente, o fato de que as vidas de milhões de brasileiros foram alteradas ao sabor da troca de opinião de um único homem. Homens e mulheres foram presos ou libertados, suas famílias sofreram sérios abalos, houve prejuízos emocionais e financeiros irreparáveis. Por quê? Porque uma só pessoa achou que devia ser assim.

E se Gilmar mudar de ideia de novo?

Esse é o ponto.

O Brasil já teve sete constituições. Os Estados Unidos, uma só. A Constituição americana tem quase 250 anos de história. Seus princípios são familiares à população e moldam a sociedade. As pessoas são capazes de recitar artigos da Constituição e os respeitam com reverência.

Carl Jung inventou um conceito que explica esse fenômeno: o arquétipo. Sei que esse é um termo que hoje se tornou meio batido, mas serve. O arquétipo são imagens primordiais recebidas e transmitidas através das gerações, formando o inconsciente coletivo. Cada cultura possui os seus arquétipos e mesmo a humanidade inteira os possui, porque todos temos coisas em comum.

A Constituição dos Estados Unidos, por estar introjetada na alma dos americanos, é arquetípica.

Essa é uma imensa vantagem que os americanos têm em relação a nós. Porque eles sabem a nação que eles querem. Nós, não.

A execução da pena após a condenação em segunda instância valia de 1988 até 2009. Aí deixou de valer. Voltou a valer em 2016. Agora, deixou de valer novamente. E tudo indica que até o fim do ano valerá outra vez.

Um dia, o Estado brasileiro decidiu que todos os carros precisavam contar com um kit de primeiros socorros. Milhões de motoristas, no país inteiro, correram para comprar kits e evitar multas. Eles pagaram caro pelo kit. Eles instalaram os kits nos seus carros. Então, o Estado decidiu que os carros não precisavam mais ter o kit.

Você reuniu dinheiro para enfim adquirir a casa própria. Descobriu um apartamento no último piso de um prédio de quatro andares, fez um esforço e contraiu um empréstimo para comprá-lo, porque gostou da vista e o Plano Diretor diz que, naquele local, não são permitidos edifícios mais altos. Finalmente, você se instalou no apartamento. Sente-se feliz com a paisagem que vê da janela. Aí o Plano Diretor muda e, em dois anos, a sua vista é a parede de um espigão.

Assim é o Brasil: as vidas das pessoas são transformadas de acordo com as conveniências, com os interesses ou com as alterações de humores de alguma autoridade engravatada. Somos uma típica e triste República das Bananas. O que será feito de Lula? Isso é irrelevante. O importante é saber o que queremos que seja feito do Brasil.

DAVID COIMBRA

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