terça-feira, 26 de novembro de 2019



26 DE NOVEMBRO DE 2019
CARPINEJAR

O irmão mais velho de coração. 

O filho mais velho nem sempre é o mais velho. Pode ser o caçula ou o do meio. Há sempre um filho que assume a posição de segundo pai, que demonstra uma maior praticidade no ato de cuidar das contas e de fazer serviço de rua.

É o volante da família. Na ausência dos responsáveis, ele é quem determina o ritmo do mutirão e a partilha das tarefas. Não deixa a casa bagunçada e fora do eixo.

Age com a liberdade de um emancipado, com a responsabilidade e a retidão no acolhimento das obrigações. Não se nega a tarefas difíceis, como ir ao banco ou ao supermercado. Devolve o troco certinho e ainda explica o que gastou.

Gosta de resolver conflitos e apartar brigas. Será o primeiro a tirar carteira de motorista, a trabalhar, a namorar.

Não é uma criança que ri e se diverte. Já tem dentro de si uma seriedade adulta desde pequeno.

Sua influência na família não traz conexão com a idade, mas com a maturidade emocional. Não arma birra, não implica. É aquele que dá a mão para os irmãos menores na hora de passear. É aquele que cede o seu presente para não gerar inveja.

Toda família terá um filho que será o representante natural dos pais, com um bom comportamento precoce e até inexplicável.

Não assumi esse papel. De modo nenhum. Quando recebia um cheque para descontar, eu deixava no bolso da calça para deleite da máquina de lavar. Vivia distraído. Errava caminhos e chegava atrasado a compromissos. Mais próximo de uma ovelha desgarrada do que de pastor do rebanho. Tinha como único talento arrumar desculpas para os meus erros. Nisso fui perito: inventava cada história mirabolante para justificar as falhas que só me restava ser escritor. Tanto que os pais desistiram, em meus dez anos, de me passar encomenda ou pedir favor.

Rodrigo, o segundo de casa, era o irmão mais velho de cabeça e de coração. Entre os quatro filhos, disparava na frente na corrida para ajudar o outro. Acho que já nasceu com barba. Nem quando quebrou a perna chorou. Consolava quem sofria, medicava os nossos tombos com mercúrio cromo e gelol, exercia a mediação de nossos desejos na mesa de jantar e nos colocava para dormir levantando as nossas cobertas até o queixo e lendo livros para espantar os medos.

Mas olho para ele, hoje com 49 anos, perto dos 50, e sinto pena e gratidão ao mesmo tempo.

Ele não teve infância. Ele me deu a sua infância para que eu pudesse brincar em paz.

CARPINEJAR

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