segunda-feira, 1 de junho de 2020



01 DE JUNHO DE 2020
DAVID COIMBRA

Essa briga não vai acabar

Fez-me mal entrevistar o ex-deputado Jean Wyllys, na semana passada, no Timeline Gaúcha. Senti uma amargura, um desencanto. Não que Wyllys seja mau-caráter. Nem sei quem ele de fato é, a persona pública que representa é muito explosiva, ocupa-lhe todos os espaços de humanidade.

Afinal, você não gosta de uma pessoa porque ela defende essa ou aquela causa. Você gosta de uma pessoa mais pelo que ela sente do que pelo que ela pensa. Se ela é gentil, se é leal, se é atenciosa, se respeita as outras pessoas. Uma bandeira correta pode ser carregada por um ser humano vil. Conheço canalhas que fazem caridade, que têm belas ideias e que são honestos às vísceras. Então, repito, não sei quem de fato é Jean Wyllys. Mas sei que ele nada em uma corrente de pensamento razoavelmente caudalosa no Brasil. Foi isso o que me abateu naquela conversa. Porque, a partir dela, constatei que nós, brasileiros, estamos perdidos.

Em pouco mais de meia hora de entrevista, Jean Wyllys demonstrou toda a sua galhardia, toda a sua certeza de que é moralmente superior, todo o seu desprezo por quem não está festivamente a seu lado. A Jean Wyllys não basta ser radical, agressivo e arrogante, ele acredita que TEM DE SER radical, agressivo e arrogante, e proclamou isso com ênfase. Para ele, não interessa conquistar as pessoas para a sua causa, porque, na sua concepção, elas têm obrigação de defendê-la.

Ou seja: Jean Wyllys não aprendeu nada com o que aconteceu no Brasil nos últimos anos.

Jean Wyllys não percebeu o óbvio: que Bolsonaro e a nova direita brasileira escalaram sobre suas costas, sobre as de Maria de Rosário, sobre as de Gleisi Hoffmann, sobre as costas da esquerda excludente e pretensiosa, até se instalar no poder. Bolsonaro, em toda a sua rudeza, percebeu. No mesmo dia em que Jean Wyllys deu aquela enfatuada entrevista ao Timeline, Sergio Moro contava, em outra entrevista, que Bolsonaro comemorou a soltura de Lula da cadeia. Para Moro, Lula livre era uma afronta à justiça; para Bolsonaro, um ganho político.

Moro e Jean Wyllys não compreenderam o evidente: foi a radicalização de esquerda que cevou a radicalização de direita. Quando Jean Wyllys cuspiu na cara de Bolsonaro, não lhe deu perdigotos, deu-lhe votos. Quando Maria do Rosário atacou Bolsonaro do plenário, não o constrangeu, consagrou-o. Quando Lula insistiu em ser candidato, mesmo sabendo que não poderia, elegeu Bolsonaro presidente. E, antes disso tudo, cada vez que a esquerda julgou e condenou os que pensavam diferente, empurrou os que pensavam diferente para longe de si: empurrou para a direita. E empurrou com tanta força, que agora contemplamos, abismados, até gente fazendo manifestação com tochas e máscaras em Brasília, uma espécie de Ku Klux Klan cabocla.

É uma lógica tão simples. Você só consegue construir alguma coisa se somar, e você não soma dividindo. Os maiores cérebros políticos da humanidade sabiam disso e, em vez de afastar as pessoas, trouxeram-nas para o seu lado. Foi o exemplo dado por Gandhi, por Mandela, por Martin Luther King, três reis da humildade, da tolerância e, por consequência, da sagacidade.

Jean Wyllys, com um discurso rancoroso, belicoso e cheio de certezas pétreas, é o oposto desses gênios da humanidade e do humanismo. Fosse apenas ele, tudo bem. Não teria importância. Mas uma grande parte da esquerda ainda pensa assim. Ou seja: os opostos continuarão se afastando. A direita terá cada vez mais motivos para odiar a esquerda, porque a esquerda demonstrará cada vez mais os seus motivos para odiar a direita. Essa briga está longe de acabar. E a maioria silenciosa da população continuará entre os extremos, perplexa, silenciosa e inerte, esperando, em vão, pela paz.

DAVID COIMBRA

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