sábado, 2 de maio de 2020


  02 DE MAIO DE 2020
ARTIGOS

O INIMIGO DO POVO


Na peça de teatro de Henrik Ibsen (1882) - que se passa numa pequena cidade da Noruega cuja maior fonte de renda advém de sua estação balneária -, Dr. Stock- mann identifica que a água está poluída, aparentemente devido a lançamentos de impurezas dos curtumes da cidade. Médico dedicado à ciência, sente-se no dever de levar a verdade ao povo. A denúncia representará o encerramento do balneário, o que causaria um transtorno para a cidade, que deixaria de lucrar com o turismo. Ele é apontado então como inimigo do povo!

Nesta pandemia, enfrentamos um inimigo invisível que dizima populações. Não é de hoje que decisões duras impostas pelo dilema da preservação da vida e repercussões econômicas vêm ao debate público. A despeito das questões ideológicas, interesses mesquinhos e particulares, devemos entender que a pandemia é única, com padrões de transmissão, distribuição etária e viabilidade no meio externo desconhecidos. Ainda que o curso seja impossível de prever, sabemos que a fase inicial é o momento adequado de agir com celeridade.

Como na prática médica em geral, por vezes, os tratamentos são realizados em etapas ou ciclos e ocorrem em tempos diversos. A primeira etapa envolve conscientização da população, da academia e de toda a sociedade para preparo e entendimento da gravidade. São medidas restritivas severas com repercussões na vida de cada cidadão e na economia. O distanciamento social nunca é popular. E o objetivo não é conter a doença, mas reduzir mortalidade, atendimento hospitalar, mormente tratamento intensivo. Evitar a falência do sistema de saúde e as escolhas de Sofia!

Não podemos "matar da cura", mas temos que evitar de apontar o Inimigo do Povo. Infelizmente com custos para a vida e para a atividade econômica, pois sabemos que são inevitáveis, embora trabalhemos para minimizá-los. Estamos no primeiro ciclo do tratamento e precisamos evoluir para o seu aprimoramento contínuo. Não há caminhos mágicos. A prevenção no tempo certo é a melhor escolha para salvaguardar a vida e, ao mesmo tempo, uma economia voltada a sustentar uma casa compartilhada por todos.

Médico, diretor do Instituto do Cérebro (InsCer), vice-reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) jcc@pucrs.br
JADERSON COSTA DA COSTA

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