Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época.
Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
terça-feira, 31 de março de 2020
31 DE MARÇO DE 2020 CARLOS GERBASE O que houve, Sra. Maisel?
A Maravilhosa Sra. Maisel, série de comédia da Amazon Prime, teve duas temporadas magníficas, em 2017 e 2018, sob qualquer ponto de vista. Personagens cativantes, trama ágil, muitas piadas boas, produção recriando com esmero cenários e figurinos do final dos anos 1950, abordagem de temas importantes, como o feminismo e a censura, e, acima de tudo, o compromisso de fazer rir com elegância. Havia, é inevitável, o uso das convenções do gênero, mas elas estavam sempre embaladas com frescor estético e narrativo.
Esta não é apenas a minha opinião. As duas temporadas receberam uma montanha de prêmios Emmy, o mais importante da TV norte-americana. Rachel Brosnahan, que vive a Sra. Maisel - uma dona de casa que resolve entrar para o mundo da comédia stand-up em Nova York -, parecia ser capaz de nos manter cativados para sempre, com seus vestidos incríveis e sua língua deliciosamente ferina, que falava de sexo com liberdade e ousadia.
Então veio a terceira temporada, de 2019. Foi apenas boa. E, há poucas semanas, foi lançada a de 2020. É um desastre. O primeiro e o segundo episódios não me arrancaram uma única risada. Estou com medo de ir para o terceiro. O que houve? É o mesmo elenco interpretando os mesmos personagens. São os mesmos produtores, quase os mesmos roteiristas e a produção ainda é espetacular. Mas a série não é mais engraçada.
O saudoso professor Aníbal Damasceno Ferreira, que estudava o humor na literatura e no cinema, tinha suas teorias a respeito. Talvez ele possa desvendar o mistério. O Aníbal dizia que, quando um texto é bom, deve ser adaptado com economia dramática, evitando exageros. Seu exemplo clássico eram as encenações de Nelson Rodrigues - um gênio de ululante comicidade -, tanto nas peças, quanto nos filmes. Quase invariavelmente, havia uma combinação de falas gritadas e gestos grandiloquentes, que sufocavam qualquer traço de humor e verossimilhança.
É o que está acontecendo com a série. Todos estão se esforçando ao máximo para serem engraçados. E exageram. Seus gestos, suas caras e bocas - e até seus figurinos! - perderam a leveza e a elegância. O que antes era convenção virou estereótipo. O que antes lembrava os melhores momentos de Blake Edwards agora lembra os piores de Zorra Total. É uma pena, querida Sra. Maisel. E não tem graça.
CARLOS GERBASE
31 DE MARÇO DE 2020
DAVID COIMBRA
Operação mãos limpas
Tenho tentado lavar as mãos de acordo com as orientações dos especialistas em lavação de mãos. Não é tão fácil. Às vezes me perco em meio ao processo e fico em dúvida se minhas mãos estão realmente limpas. Então, procurei um tutorial no YouTube, acoplei o celular à pia do banheiro e comecei a fazer o que a técnica do vídeo mandava.
No tutorial, não aparecia o rosto da profissional de lavação. Apenas suas mãos. Ela calçou luvas de borracha e colocou tinta vermelha na palma a fim de simular o sabão. Fiz a mesma coisa, só que com sabão de verdade e sem luvas. Fiquei acompanhando o vídeo. Ao espalhar a tinta, ela provou que, ainda que a gente esfregue uma mão contra a outra, várias partes continuam sujas, intocadas pelo sabão purificador. Mãos imundas, na verdade. Oh, Deus, isso significa que passei a vida lavando as mãos do jeito errado. Quantos micróbios não ingeri por causa disso? De quantas gripes e dores de barriga e tudo mais padeci só porque não sabia lavar as mãos?
Há uma etapa do vídeo em que ela reserva atenção especial às unhas e às pontas dos dedos. É preciso remover absolutamente toda a sujeira que se acumula nessa região, que, segundo a perita, é a que mais tem contato com as superfícies contaminadas no nosso entorno. Foi uma agonia pensar nisso, tenho certeza de que debaixo de minhas unhas há um monte de coronas se revolvendo feito vermes.
E as laterais! Também temos de cuidar com muito critério das laterais, porque, de acordo com os ensinamentos da expert, passamos as laterais pelos cabelos, o que os deixa desgraçadamente infectados, como se fôssemos medusas saindo por aí com serpentes na cabeça. E ainda há o dorso das mãos. E os polegares. E também os punhos, é indispensável assear até os cotovelos. Jesus!
Decidi que seria mais simples tomar um banho de uma vez. Foi o que fiz. Meti-me debaixo da água quente e quase que consegui ver chumaços de coronas descendo pelo ralo enquanto me esfregava com fúria, gritando:
- Vade retro! Vade retro!
Saí do banheiro, vesti roupas imaculadas, suspirei de alívio e peguei o celular da pia. Então, dei um tapa na testa: o celular! Se minhas mãos estavam coronadas antes, é certo que este celular continua com coronas saindo pelos gorgomilos, pois o manipulei! E agora? O que fazer? O YouTube! O YouTube tem a resposta para todas as nossas angústias. Mas não podia usar o celular, ele estava interditado. Corri para o laptop e, antes que pudesse dizer Cucamonga, estava diante de um instrutivo tutorial sobre como limpar o celular.
"Desligue o aparelho!", ordenou o especialista em lavação de celulares. Desliguei.
"Tire a capinha!" Tirei. "Arranje um pano macio, que não solte fiapos!" Isso foi mais difícil. Vasculhei a casa por alguns minutos e encontrei um.
"Use álcool isopropílico com concentração de 70%!" Ah, não. Onde é que iria arrumar álcool isopropílico com concentração de 70% numa hora dessas? Aliás, o que, afinal, é um álcool isopropílico? Sentei-me no fundo do sofá da sala, olhando com desânimo para meu celular infectado. É dura a tarefa de higienização do homem confinado.
DAVID COIMBRA
31 DE MARÇO DE 2020
OPINIÃO DA RBS
HORA DA SOLIDARIEDADE
Grandes crises forjam e fortalecem o caráter e a trajetória de um povo. Ao longo de sua rica história, o Rio Grande do Sul coleciona uma sucessão de episódios dramáticos que sedimentaram o evidente traço generoso dos gaúchos. Nos momentos mais críticos, o altruís- mo sempre aflorou na população, com mãos estendidas para amparar os que mais precisam de apoio. Foi assim tanto nas tragédias naturais quanto em acontecimentos que causaram uma dor coletiva lancinante, como a tragédia da boate Kiss, que dilacerou o coração do Rio Grande.
Os exemplos de solidariedade, agora, se multiplicam Estado afora. De grandes doações de empresários e empresas ao gesto simples e desprendido de fazer compras no supermercado ou na farmácia para idosos que têm maiores restrições de sair de casa. Recursos, equipamentos médicos, estruturas físicas à disposição de órgãos da área de saúde e alimentação para a população mais vulnerável são apenas algumas das iniciativas que proliferam nos últimos dias.
De janelas e sacadas, talentos anônimos surgem, com suas vozes e instrumentos, para com a música levar para a vizinhança um pouco de conforto em dias e noites de distanciamento social. São os gaúchos mais uma vez se mobilizando e mostrando altivez e empatia em um momento em que é preciso mitigar os efeitos colaterais do inadiável combate ao coronavírus. O isolamento físico não precisa ser sinônimo de desassistência.
O egoísmo e o individualismo não devem ter espaço entre os gaúchos neste momento de emergência sanitária. Da mesma forma, precisam ser condenadas e censuradas todas as atitudes oportunistas e tentativas de tirar proveito do temor da população em uma situação de alta volatilidade emocional.
O respaldo das comunidades, dentro do possível, também pode se estender para o apoio à manutenção de negócios em funcionamento, quando está em vigor uma série de acertadas medidas restritivas. Seja antecipando pagamentos, quando praticável, privilegiando o comércio de bairro ou contratando serviços que serão feitos assim que a tempestade passar. Mais dia, menos dia, o Brasil voltará à normalidade. Mas há uma distância incerta até lá e os gaúchos certamente continuarão a esbanjar solidariedade para que esta travessia seja menos dolorosa.
A atual pandemia de coronavírus é um episódio que deixará uma marca indelével nesta geração e possivelmente será um dos eventos marcantes deste século. Nos próximos anos e décadas, certamente será objeto de profundos estudos em áreas como medicina, psicologia social e economia, entre outros campos do conhecimento. Alguns personagens desta era serão reconhecidos. Outros, talvez lembrados de forma pouco honrosa. Mas, mais do que transformar, crises reafirmam a índole de um povo. E a esmagadora maioria da sociedade gaúcha, pela soma de cada gesto individual, caminha para ficar no lado certo da História.
OPINIÃO DA RBS
31 DE MARÇO DE 2020 RBS BRASÍLIA Mandetta no comando
Se a intenção dos articuladores da Presidência da República era diminuir o protagonismo do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ao transferir o balanço das ações do coronavírus para o Palácio do Planalto, a estratégia deu errado. Em meio a outros quatro ministros, o médico e ex-deputado federal mostrou por que se consolidou como a principal liderança no comando técnico da crise.
E mais: ele conta, hoje, com o apoio incondicional do Congresso, de colegas da Esplanada e da ala militar do governo. Questionado se existia risco de sair da pasta, nem teve chance de responder. O ministro da Casa Civil, general Braga Netto, pulou na frente e decretou:
- Não existe ideia de demissão do ministro Mandetta no momento. Fora de cogitação. Ex-parlamentar calejado, Mandetta arrematou, lembrando que, em política, quando alguém diz que algo não existe é porque existe. Uma brincadeira cheia de recados.
A divergência entre Bolsonaro e o ministro da Saúde é mesmo uma pedra no meio do caminho. Mas, como diz o próprio Mandetta, é só uma parte de um problema muito maior: uma pandemia que ataca todas as nações do mundo. Portanto, o comando é ter foco e construir uma saída conjunta com Estados e municípios.
Por enquanto, a ordem é manter o distanciamento social e dar um tempo para que o sistema de saúde se consolide com segurança nas diferentes regiões.
- Nada será feito isoladamente - reforçou o ministro. Governadores e prefeitos respiram aliviados.
CAROLINA BAHIA
31 DE MARÇO DE 2020
+ ECONOMIA
Fábrica doa equipamento a hospitais
Especializada na fabricação de materiais em acrílico, a Componenti está reforçando o time de empresas gaúchas na produção de materiais de proteção para quem está atuando nos serviços essenciais durante a pandemia do coronavírus. Como outras indústrias da serra gaúcha, a empresa de Bento Gonçalves fabricou e doou para hospitais 350 máscaras de proteção para o rosto, tecnicamente conhecidas pelo termo em inglês faceshield. Outras cem unidades foram doadas individualmente pela empresa. Segundo o diretor comercial da empresa, Alessandro Lazzarotto, as máscaras seguem os padrões exigidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Além das faceshield, a empresa também está fabrica caixas em acrílico, utilizadas para proteger os profissionais da saúde durante o processo de entubação de um paciente. Três desses equipamentos já foram doados.
com caixa robusto, a Braskem oferece a partir de amanhã até R$ 1 bilhão em crédito extra a seus clientes. é para compra de seus produtos, resinas plásticas como polietileno e PVC, usadas em embalagens de alimentos. o juro é o do CDI, Acima da taxa básica, mas um dos mais baixos do mercado. Fica a dica: quem tem caixa ajuda quem não tem.
A fabricante Star Dream, criada há apenas três anos em Nova Hartz, está oferecendo cerca de 50 colchões hospitalares certificados pelo Inmetro a preço de custo para expansões de capacidade no Estado. Conforme a empresa, foi a forma que encontrou para contribuir.
A Unicred RS, instituição financeira cooperativa focada em profissionais de saúde, faz campanha de doações para reforçar os hospitais. A unidade Unicred Região da Campanha anunciou a doação de R$ 180 mil para cinco hospitais da região: Santa Casa de Bagé, Hospital Universitário Doutor Mário Araújo da Urcamp, Hospital Santa Casa de Santana do Livramento, Santa Casa de Dom Pedrito e Santa Casa de Rosário do Sul.
De hoje a sábado, sempre às 19h, o laboratório de inovação Anlab fará webinars (conferências educacionais online) sobre varejo, agronegócio, serviços e indústria. Os encontros virtuais vão reunir líderes da cada setor para compartilhar experiências na pandemia da covid-19.
Amanhã, a Câmara Brasil-Alemanha no RS (AHKRS) organiza webinar sobre questões trabalhistas, das 10h às 10h30min, pela plataforma Zoom.
MARTA SFREDO
31 DE MARÇO DE 2020 FUNCIONALISMO RS paga hoje salários de quem ganha até R$ 1,5 mil
O governo do Estado confirmou que o salário do funcionalismo começará a ser pago hoje, mas somente para quem ganha até R$ 1,5 mil líquidos, o que representa 25% dos servidores. Também durante o dia será depositada mais uma parcela da gratificação natalina de 2019. Os demais, receberão depósitos ao longo do mês, entre 13 e 30 de abril.
Pelo calendário projetado, quem ganha mais de R$ 1,5 mil líquidos só receberá a primeira parcela em 13 de abril, quando será depositado R$ 1,5mil. No dia seguinte, haverá novo pagamento, de até R$ 4 mil. Com isso, estarão quitados os salários de quem ganha até R$ 5,5 mil, o que corresponde a 82% da folha.
Haverá novo depósito de até R$ 2,5 mil em 28 de abril. A folha será concluída em 30 de abril, quando os servidores com salários mais altos receberão complemento.
Conforme o secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, a estimativa de redução de receita em abril é de R$ 700 milhões, o que representa R$ 350 milhões líquidos nos cofres do Estado. A pasta irá manter o cronograma de repasses para pagamentos da saúde e dos municípios.
Reavaliação
Ontem, a prefeitura de Porto Alegre anunciou que todos os servidores receberão hoje seus salários. Conforme a Secretaria da Fazenda, além de ajustes nas contas, o caixa está reforçado com a entrada do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
O titular da pasta, Leonardo Busatto, relata que a programação da prefeitura previa o pagamento em dia dos municipários até o final do ano. No entanto, a situação será reavaliada após a dimensão do impacto do coronavírus.
MATEUS FERRAZ
31 DE MARÇO DE 2020 CHAMOU A ATENÇÃO As 11 regras do Twitter
A decisão do Twitter de excluir duas postagens da conta do presidente Jair Bolsonaro foi baseada em princípios recentemente definidos pela rede social diante da pandemia de coronavírus. Segundo a plataforma, o presidente violou as regras ao fazer duas publicações que o mostravam circulando e conversando com comerciantes no domingo em Sobradinho e Taguatinga, no Distrito Federal (DF), contrariando as recomendações de isolamento social do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ao comentar o caso de Bolsonaro, o Twitter citou condutas que podem atentar "contra informações de saúde pública", o que poderia "colocar as pessoas em maior risco de transmitir covid-19". Foi a primeira vez que a plataforma deletou postagens do presidente, que tem 6,3 milhões de seguidores. Apesar de ter apagado duas publicações, uma terceira, do mesmo dia e que mostrava Bolsonaro no meio de aglomerações em Ceilândia, também no DF, foi mantida no ar. O Twitter não explicou quais critérios usou para definir o que deveria sair e o que poderia ficar.
As regras do Twitter estão em um blog de atualização contínua. A plataforma definiu 11 critérios que podem levar perfis a terem conteúdos removidos. Embora não tenha comentado, é possível que a rede social tenha excluído as postagens do presidente com base no primeiro item: "Negação das recomendações de autoridades de saúde locais ou globais para diminuir a possível exposição ao covid-19 com a intenção de influenciar as pessoas a agir contra as orientações recomendadas". Ontem, Bolsonaro foi questionado sobre a decisão do Twitter, mas respondeu que não iria discutir por se tratar de "uma empresa particular".
31 DE MARÇO DE 2020 CARPINEJAR Nem o enterro é poupado
Com o isolamento provocado pelo coronavírus, a maior privação é a proibição para se despedir de um amigo, a incapacidade de comparecer a um enterro. Dói não completar o luto com os próprios olhos. Dói não poder acenar a alguém com quem nunca mais se encontrará na vida. Dói não poder sussurrar as últimas palavras. Dói não poder agradecer a amizade. Dói não poder estranhar aquele rosto magro e pálido na porta de vidro, o corpo encolhido do fim, absolutamente irreconhecível, e comentar que não é a mesma pessoa. Dói não poder encomendar a alma no papel de seda das lágrimas. Dói não poder bater palmas quando o caixão baixar à terra. Dói não poder homenagear a saudade com o traje escuro. Dói não poder lembrar de alguma história em particular, uma anedota, uma frase espirituosa, para ser dividida publicamente. Dói não ter poder nenhum de determinar o adeus. O vírus não vem roubando apenas a nossa presença, vem profanando valiosas e definitivas ausências. Não existe desonra igualmente funda, remorso igualmente agudo quanto o de faltar no velório de um ente querido e marcante. Nem a morte é poupada da quarentena, nem ela recebe uma trégua, um salvo-conduto, uma licença para ir e vir. O contágio deveria pausar - congelando o vento da devastação por um momento - para que cada perda mereça um desfecho digno, uma saída barulhenta e concorrida capaz de rivalizar com os gritos de nascimento no parto. Mas os enterros estão cada vez mais vazios, as ruas dos cemitérios cada vez mais cinzentas. Sobram coroas de flores, escasseiam testemunhas para arremessar pétalas à sepultura. Não há fila indiana seguindo os féretros. Não há procissão para extravasar o quanto o defunto fora amado, o quanto é insubstituível, o quanto foi determinante e influente nas escolhas dos presentes. Não há capela cheia para rezar de mãos dadas. Não há como dar os pêsames aos familiares desesperados pela lacuna inexplicável. O coveiro estará sozinho tanto quanto o morto. A gaveta será preenchida com o cimento da colher, longe de nossa respiração atenta e plangente. Não contaremos com nenhuma possibilidade depois de voltar no tempo. É mais um agora extinto dentro de nossa impotência. CARPINEJAR
31 DE MARÇO DE 2020 INFORME ESPECIAL O equívoco de Eduardo Leite no "Jornal do Almoço"
Em entrevista no Jornal do Almoço, o governador Eduardo Leite disse que o isolamento total, em todas as cidades gaúchas ao mesmo tempo, é um remédio amargo demais. Ele tem razão. O que Eduardo Leite parece desconhecer é que não cumprir o isolamento total é um remédio fatal. Logo, é veneno.
Os maiores médicos do mundo concordam que é preciso ficar em casa. O fato de não haver sintomas não significa que o vírus não esteja circulando, mesmo em cidades pequenas, onde moram os velhos e de onde os mais jovens vêm e vão - para a universidade ou para trabalhar nos maiores centros urbanos.
Esperava que o governador fosse mais enérgico. Que dissesse, batendo na mesa, que os gaúchos devem ficar em casa. Leite lembrou que os prefeitos têm autoridade legal e competência para decidir. Correto. Mas senti nas palavras do governador um recuo, uma tentativa de evitar um desgaste político que não deveria temer. Escreve aqui quem, menos de uma semana atrás, elogiou a atuação de Eduardo Leite na crise. Continuo reconhecendo o mérito de várias iniciativas do Piratini mas, nesse ponto, o tropeço é grave.
Não duvido das boas intenções do governador. Estar na posição dele é difícil, porque exige administrar pressões legítimas e antagônicas. Mas, agora, seria melhor ouvir os médicos. Não há evidência científica que justifique uma postura mais branda, nem dos prefeitos e nem do governador.
Leite disse também, na entrevista, que não hesitará se medidas mais enérgicas forem necessárias. Acredito nele. Pena que, talvez, seja tarde demais para poupar vidas que nem se imaginam em risco agora, mas que estão.
TULIO MILMAN
segunda-feira, 30 de março de 2020
O vilarejo italiano que conseguiu conter expansão do coronavírus com experimento inédito
Vo' Euganeo era, até pouco mais de um mês, somente um bonito povoado de quase 3,3 mil habitantes na região de Vêneto, incrustado em colinas vulcânicas no norte da Itália.
Difícil imaginar que o idílico cenário se tornaria palco de um "experimento científico único" sobre a pandemia do novo coronavírus, que desde dezembro infectou mais de 380 mil pessoas e matou 16 mil pelo mundo.
O estudo, que permitiu apontar para o papel dos pacientes sem sintomas na disseminação da doença, começou no início de fevereiro, por causa de dois vizinhos internados com pneumonia em um hospital da região.
Seguindo os protocolos do país, os médicos haviam descartado, pela falta de sintomas, a possibilidade de realizar um exame para detectar se Adriano e Renato haviam contraído coronavírus. Mas um dos médicos decidiu burlar as regras e descobriu que o diagnóstico era positivo.
Só que um mistério ainda pairava no ar: como eles contraíram o vírus respiratório sem não haviam viajado à China nem tido contato com alguém com sintomas, como febre e tosse?
A única coisa que se sabia era que, pouco antes de desenvolverem sintomas, os dois vizinhos haviam passado horas jogando cartas em um bar do povoado.
A primeira das 6 mil mortes na Itália
De repente, o quadro clínico de Adriano piorou, em 19 de fevereiro, e, dois dias, depois ele morreu. Foi a primeira morte registrada na Itália em decorrência da doença.
Na mesma noite, o prefeito de Vo', Giuliano Martini, decretou quarentena. Foram fechados escolas, bares, lojas e até pontos de ônibus. Não haveria mais missas nem festas carnavalescas. Todos os moradores foram obrigados a ficar em casa.
Em 23 de fevereiro, o governo italiano e as autoridades regionais impuseram um isolamento da cidade.
"Era como estar em guerra", lembra Martini em uma conversa por telefone com a BBC Mundo. "Estar preso e cercado por suas próprias Forças Armadas é muito pior do que estar em uma prisão."
Mas o mistério de como o vírus chegou a essa comunidade ainda não havia sido resolvido.
Testes em massa
Em busca dessa resposta, especialistas e profissionais de saúde instalaram, em 23 de fevereiro, um centro de análise na escola da cidade para testar todos os moradores que assim o desejassem.
Nos seis dias seguintes, praticamente todos os habitantes foram submetidos voluntariamente ao teste por meio de um kit preparado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Pádua, liderada pelo professor Stefano Merigliano.
"Isso não teria acontecido sem o espírito de colaboração de todos os vizinhos", afirma o prefeito local.
Os investigadores detectaram o vírus em 89 pessoas, cujas autoridades ordenaram isolamento imediato em suas casas por 14 dias. Outra coisa chamou sua atenção: entre 50 e 60% deles apresentaram poucos sintomas ou mesmo nenhum.
"Isso é algo que não havia acontecido em nenhuma das epidemias do século passado", explica o professor Merigliano à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC).
"Ter essa porcentagem de infectados assintomáticos é perigosíssimo", acrescenta a professora Andrea Crisanti, professor de epidemiologia e virologia do Hospital da Universidade de Pádua e do Imperial College de Londres, "porque essas pessoas seguem suas vidas habituais e infectam um número muito alto de pessoas".
Foi nessa época que Merigliano e Crisanti propuseram ao governador de Vêneto, Luca Zaia, uma ideia: transformar o Vo' Euganeo em "um laboratório experimental único no mundo".
"Tivemos condições únicas para entender como esse vírus se comporta", ilustra Merigliano. "Havia uma amostra consistente de pessoas isoladas. Conhecíamos seu estado de saúde e podíamos controlar seus movimentos e com quem eles se relacionavam. Foi perfeito."
Com a aprovação das autoridades regionais, a partir de 6 de março uma equipe da Universidade de Pádua passou a monitorar todos os habitantes de Vo' Euganeo. À época, a Itália registrava 4.636 infectados e 197 mortes.
"Antes, havia apenas estimativas", diz Crisanti, "sendo que conseguimos demonstrar cientificamente duas questões fundamentais: que o período de incubação do vírus é de duas semanas e que qualquer estratégia para conter essa pandemia deve levar em consideração o alto número de infectados que não apresentam sintomas".
Após duas semanas de quarentena, foram identificados 542 casos positivos em Vo' Euganeo.
A identificação de pacientes sem sintomas é fundamental para mapear e evitar a disseminação da doença. Segundo um estudo coordenado pela Universidade Columbia, nos EUA, infectados assintomáticos são responsáveis por quase dois terços de todas as infecções por coronavírus, o que se mostra um desafio enorme para conter o avanço da pandemia.
Perfil dos mortos na Itália
Na Itália, também por ter a segunda maior porcentagem de idosos na população (atrás do Japão), a taxa de mortalidade da doença causada pelo vírus gira em torno de 7,7%. Na China, onde a pandemia começou, ela girava em torno de 2,3%.
Mas essas taxas variam conforme a faixa etária. Segundo dados do Instituto Superior de Saúde (ISS), órgão subordinado ao Ministério da Saúde da Itália e que monitora a emergência nacionalmente, a média de idade dos italianos infectados pelo coronavírus é de 63 anos, sendo que 60% deles são do sexo masculino.
Os números do ISS sobre as mortes relacionadas à covid-19 mostram que a imensa maioria das vítimas convivia com pelo menos uma ou mais doenças, com maior porcentagem (37%) para as cardiovasculares.
Mas em entrevista ao programa de rádio RaiNews24, da emissora pública da Itália, Luca Lorini, responsável pelo setor de anestesia e cuidados intensivos de um hospital em Bergamo, no norte da Itália, disse que o "tipo de paciente está mudando".
"Eles são um pouco mais jovens, entre 40 e 45 anos, e seus casos são mais complicados", acrescentou.
Retorno à normalidade
Em 8 de março, duas semanas depois da morte de Adriano, o isolamento do povoado chegou ao fim. A vida voltou a circular normalmente, e, a partir de 14 de março, já não havia registros diários de casos novos de infecção. Mas isso só durou seis dias.
"Era de se esperar", afirma Crisanti. "Com que critérios se decide acabar com uma quarentena? Se isso é feito apenas baseando-se na diminuição do número de doentes, está deixando de fora todos os assintomáticos, e isso quer dizer que a doença pode voltar."
O pesquisador admite que o experimento no povoado não é replicável em cidades maiores. Mas garante que é possível sim controlar a disseminação do vírus no âmbito de bairros, identificando rapidamente onde surgem os casos suspeitos e isolando os possíveis infectados.
Algo que a Coreia do Sul conseguiu fazer com sucesso, até agora.
Enquanto isso, a região de Vêneto acaba de lançar uma campanha paralela, também liderada pelo professor Crisanti, a fim de estudar diversas pessoas de outros grupos de risco, como profissionais de saúde, forças policiais, funcionários de mercados e motoristas de ônibus.
O objetivo, segundo autoridades da região, é realizar 13 mil exames diariamente até o fim desta semana.
Desde que Adriano morreu no hospital em Pádua, outras 6.076 pessoas perderam a vida na Itália em razão da pandemia. Na semana passada, um mês depois que ele morreu, sua família finalmente pôde realizar seu funeral.