sábado, 4 de maio de 2019



04 DE MAIO DE 2019
DAVID COIMBRA

O melhor e a mais bela

O Guga Chacra anda dizendo que o Messi é melhor do que Pelé e muita gente tem concordado com isso. Me irrita. O Guga Chacra, se você não sabe, é comentarista de política internacional da Globo News. Ele aparece sempre descabelado, como se tivesse vindo para a TV de moto e sem capacete. Um estilo. Corre a lenda de que a graciosa atriz Natalie Portman, certa feita, abordou o Guga Chacra em uma festa com uma conversinha do tipo:

- Frequentas a casa?

E ele só levantou uma sobrancelha, disse "sorry" e explicou:

- Já tenho namorada?

No IAPI o chamariam de galo cinza.

O Guga Chacra conhece muito de política internacional. Se você quiser saber de Oriente Médio, fale com ele. Se quiser saber de quem é melhor do que Pelé, fale comigo.

Direi quem foi melhor do que Pelé.

Se bem que essa história de "o" melhor é relativa. Quem foi melhor: Leonardo da Vinci ou Michelângelo? Sexta, no Timeline, lembrei-me desses dois gênios, a propósito dos 500 anos da morte de Leonardo. Eles eram rivais, embora Michelângelo fosse bem mais jovem. Na verdade, suspeito que Michelângelo invejasse Leonardo. Ambos eram homossexuais, mas Leonardo elevava-se a 1m90cm de altura, era tão forte que vergava uma ferradura com as mãos nuas e tão bonito que enfeitiçava homens e mulheres, enquanto Michelângelo era baixo, meio corcunda e tinha o nariz quebrado por um soco que levara em uma briga juvenil. Leonardo estava sempre alegre e vivia cercado de pessoas, e Michelângelo, casmurro e misantropo, afastava-se delas.

Se fosse escolher um dos dois como parceiro de bar, para com ele partilhar chopes cremosos, gelados e dourados, não tenho dúvida de que preferiria Leonardo, mas, como artista, sou mais Michelângelo. O David, o Moisés, a Pietà e o teto da Capela Sistina são talvez as maiores obras da arte humana de todos os tempos, amém.

Mas é claro que você pode ficar com a Monalisa e a Última Ceia, tudo bem. Não fica ruim para você.

Recordo-me agora de outra rivalidade célebre, duas grandes atrizes do cinema antigo: Joan Crawford e Bette Davis. Elas se odiavam de uma forma que só mulheres conseguem odiar. Bette era sofisticada e vinha de uma família rica. Joan era belíssima e vinha de uma família pobre.

A propósito de Joan: uma vez, fui entrevistar o ex-técnico, ex-jogador, ex-juiz e ex-comentarista Oswaldo Rolla, o Foguinho, em seu apartamento na Senhor dos Passos. A folhas tantas, Foguinho decidiu me mostrar imagens do seu passado. Colheu uma caixa de papelão do fundo de um armário e de lá foi tirando recortes de jornais e fotos de revistas que guardara por décadas. Uma delas era de Joan Crawford. Foguinho olhou para a foto por algum tempo, suspirou e disse:

- Minha namorada?

Joan exercia tal poder sobre os homens e, provavelmente por isso, Bette a detestava. Um dia, Bette disse sobre Joan:

- Ela dormiu com todos os astros da MGM, menos a Lassie.

Em certo momento, as duas se interessaram pelo mesmo homem. Quem ele escolheria? A mais bonita ou a mais requintada? Joan, a mais bonita, ganhou. Mais tarde, ambas acabaram participando de um mesmo filme. Numa cena em que Bette tinha de esbofetear Joan, ela não perdeu a chance e mandou-lhe A MAIOR BOMBA na cara. A outra teve de ir para o hospital.

Joan acabou morrendo antes de Bette. Entrevistada a respeito, Bette declarou:

- Nós não devemos falar coisas ruins sobre os mortos. Por isso, digo: Joan Crawford está morta, que bom.

Bette Davis era A Malvada.

Mas claro que essas duas não foram as maiores atrizes da história do cinema, nem as mais belas. Apenas alimentavam a maior rivalidade. Pelé experimentou inúmeras rivalidades, embora não as alimentasse. Antes de ele jogar, diziam que Friedenreich, Zizinho ou Di Stéfano podiam ser melhores. Enquanto jogava, a comparação era com Garrincha. Ele, Pelé, a objetividade, o profissionalismo, a fortuna, o sucesso em tudo o que fazia. Garrincha, a alegria irresponsável, o talento inato sem esforço, a ingenuidade, o triste fim.

Uma vez, Garrincha, então jogador do Botafogo, foi visitar a concentração do Cruzeiro de Minas, entrou no quarto de Dirceu Lopes e afirmou:

- Vim ver o maior jogador do Brasil.

Não era. Dirceu Lopes era bom, mas nunca chegou perto de Pelé, nem do próprio Garrincha e nem de outros tantos da época, como Gérson e Rivellino.

Depois que Pelé parou, os argentinos ousaram dizer que Maradona era melhor. Também não era. Como não o é Messi.

Melhor do que Pelé? Só um: Laerte, o Urso. Craque do Próspera, de Criciúma, goleador irresistível, driblador imparável, velocista inalcançável, Laerte, o Urso, só não refulgiu na Seleção Brasileira porque não conseguia jogar fora da sua cidade natal. Era uma coisa que tinha. Uma limitação. Um trauma, talvez. Laerte, o Urso: dentro de Criciúma, melhor do que Pelé, muito melhor do que Messi. Toma essa, Guga Chacra!

DAVID COIMBRA

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