segunda-feira, 1 de abril de 2019


01 DE ABRIL DE 2019
CLÁUDIA LAITANO

Depois do futuro



"Mais do que em qualquer outra época na História, a humanidade encontra-se diante de uma encruzilhada. Um lado conduz ao desespero e a um profundo desamparo. O outro, à extinção total. Rezemos para que tenhamos a sabedoria de escolher corretamente." A frase é de Woody Allen e tem tudo a ver com a época em que estamos vivendo, mas foi escrita há exatos 40 anos, em um texto publicado no jornal The New York Times sob o título "Meu discurso para formandos".

A citação não foi incluída no livro Depois do Futuro, de Franco Berardi, lançado neste ano no Brasil pela editora Ubu, mas poderia. O filósofo italiano situa em meados dos anos 1970 o início daquilo que ele chama de "a morte do futuro". Para o autor, o futuro começou a morrer no dia 27 de maio de 1977, dia em que chegou às rádios britânicas o single No Future, da banda punk Sex Pistols. No Future era uma espécie de pontapé de coturnos no mito, vigente durante boa parte do século 20, de que um mundo melhor, mais justo e mais humano nos aguardava logo ali adiante.

Dos anos 1970 até os dias de hoje, a esperança em um futuro melhor para todos (ou pelo menos para alguns) não fez mais do que encolher. Utopias deram lugar a distopias e deixamos de associar as ideias de expansão e progresso com a perspectiva de uma vida mais tranquila. Pelo contrário. Quem tem filhos e netos passou a se preocupar com problemas que há alguns anos só existiam nas histórias de ficção científica ou na mente dos paranoicos. Haverá emprego para todo mundo? E água? E comida? E mundo?

Para Berardi, a ascensão de políticos agressivos pode estar ligada a essa dissolução da expectativa de um futuro compartilhado por todos. Se o mundo vai acabar mesmo, seja pela falência dos recursos naturais, seja pela incapacidade de resolvermos problemas em conjunto, o negócio é proteger a família e a própria tribo, comprar armas e votar em políticos racistas. E salve-se quem puder.

Para acreditar no futuro é preciso, antes, acreditar no presente - e nas pessoas. O próprio autor reconhece que não anda fácil escapar do pessimismo, mas, para não ser acusado de jogar a última pá de cal no sonho de um futuro menos sombrio, Berardi lembra que o caos pode ser uma porta para a criação: "Estamos caminhando na escuridão, mas ainda somos capazes de criar ideias que iluminem o caminho".

Que a esperança seja a última a sair da sala quando essa luz se apagar.

CLÁUDIA LAITANO

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