quarta-feira, 2 de janeiro de 2019



02 DE JANEIRO DE 2019
DAVID COIMBRA

Houve algo belo e doce na posse de Bolsonaro

Quando Trump assumiu a presidência, vi algo inusitado acontecer nos Estados Unidos: muitas pessoas torciam para que ele não cumprisse o que prometeu. Lógico: vivo em Massachusetts, um dos Estados mais progressistas do país, se não o mais progressista. Assim, era normal que as ideias de Trump fossem repelidas por meus vizinhos.

Mas Trump fez o que não se espera que os políticos façam: fez o que disse que ia fazer. Ou, pelo menos, tentou. Vem tentando. Teimosamente.

Agora, Bolsonaro assumiu como presidente do Brasil, e não é por acaso que ele se identifica com Trump. Os dois têm mesmo muito em comum - são, ambos, conservadores, afrontam o politicamente correto e muitas vezes se tornam até grosseiros com quem não concorda com eles.

Ontem, em seu discurso na Praça dos Três Poderes, Bolsonaro chegou a repetir a frase mais famosa do presidente americano. Trump, em sua posse, disse: "América first". Ou: América em primeiro lugar. Bolsonaro adaptou o bordão:

- Os interesses dos brasileiros em primeiro lugar. Outra coincidência: os setores progressistas brasileiros também nutrem a esperança de que Bolsonaro não cumpra o que prometeu.

Como no caso de Trump, será uma esperança vã. Bolsonaro tem emitido todos os sinais possíveis de que realizará no governo as suas promessas de campanha. O mais vigoroso desses sinais foi dado ontem, em seu breve discurso feito da tribuna do Congresso. Bolsonaro ressaltou cinco pontos:

A escola sem partido. A liberação da posse de armas. A valorização da ação policial.

A desburocratização. O programa liberal de Paulo Guedes para a economia.

Está claro que é esse o centro do governo que se iniciou. O que, aliás, não é nenhuma surpresa. A surpresa é a mudança de estilo. Até então, os brasileiros estavam acostumados às concessões dos eleitos ao que chamavam de "realidade". Na oposição, eles eram agressivos; no governo, tinham de se render à ponderação.

Fernando Henrique, quando assumiu, declarou: 

- Esqueçam tudo o que escrevi.

Lula transformou-se em "Lulinha paz e amor". Em sua reforma da Previdência, quando alguns petistas se puseram contra o projeto, Lula rompeu com eles, e eles saíram do partido e fundaram o PSOL.

Trump não tem sido assim. Bolsonaro parece que não será. Todos os embates ideológicos que Bolsonaro jurou que iria travar serão travados.

Mas, para o seu governo funcionar, Bolsonaro terá de ceder a pelo menos uma das "realidades" que submeteram outros presidentes: terá de negociar com o Congresso. Ontem, ele mostrou que sabe disso e, de certa forma, assegurou aos congressistas que governará com eles.

- Estou casando com vocês - disse aos parlamentares, enquanto assinava o termo de posse.

Esse casamento tem de dar certo, e a primeira DR entre os pares se dará logo mais, na discussão do mesmo ponto que fez Lula romper com parte dos petistas: a reforma da Previdência.

Há, portanto, um Bolsonaro "realista", que precisará lidar com as estruturas tradicionais de poder do Brasil, e um Bolsonaro "romântico", aquele que repete as falas às vezes grotescas do deputado-candidato, como "a nossa bandeira jamais será vermelha", que ele bradou diante da multidão.

Tomara que Bolsonaro se contenha mais do que seu modelo Trump. Tomara que ele seja menos folclórico e mais sensível do que o americano. Em sua posse, indiretamente, Bolsonaro mostrou que pode ser assim. Foi quando a primeira-dama Michelle tomou o microfone antes dele, na Praça dos Três poderes, e discursou usando a linguagem de sinais. Michelle foi doce, emocionante e surpreendente. Que tenhamos outras belas surpresas nesta nova era que começa em 2019.

DAVID COIMBRA

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