08 DE JANEIRO DE 2019
DIÁRIOS DO MUNDO
"Na ótica dos árabes, qualquer alteração preocupa"
RUBENS HANNUN - Presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira
É dividida entre expectativa e preocupação que a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira acompanha os primeiros movimentos da política externa brasileira no governo de Jair Bolsonaro. Expectativa porque a promessa do Planalto de focar a política econômica na abertura ao mercado externo soa como positiva aos empresários que exportam para as nações árabes. Preocupação por causa dos discursos de alinhamento com Israel e a eventual transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém - tema polêmico para a comunidade internacional, que não reconhece a cidade sagrada como capital israelense. Além dos EUA, apenas a Guatemala mantém representação diplomática lá.
Os árabes, que apoiam a Palestina, são contra a transferência da sede, que significaria reconhecer a reivindicação de Israel sobre Jerusalém. Devido à promessa de mudança, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, esteve presente na cerimônia de posse de Bolsonaro.
Em entrevista à coluna, o presidente da Câmara, Rubens Hannun (foto ao lado), afirma que a mudança da embaixada pode afetar as relações comerciais. As exportações nacionais para os árabes em 2018 somaram US$ 11,5 bilhões, queda de 15% em relação a 2017. Em volume, as vendas somaram 43,3 mil toneladas, aumento de 3% em relação ao ano anterior. Juntos, os países árabes são o segundo maior comprador de proteína animal brasileira. Os principais clientes são Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Em 2018, o Brasil importou dos países árabes US$ 7,6 bilhões (aumento de 18% frente a 2017). As nações, juntas, representam o quinto principal fornecedor das importações em 2018 (atrás de China, EUA, Argentina e Alemanha)
Nesta entrevista, Hannun avalia os impactos das decisões diplomáticas no comércio, preocupação que foi levada ao vice-presidente Hamilton Mourão pouco antes da posse. No mesmo dia, 18 de dezembro, a Liga Árabe aprovou resolução pedindo que o Brasil desista de seu plano sobre Jerusalém.
Leia, ao lado, os principais trechos da conversa com Hannun.
Como o senhor avalia os primeiros movimentos do governo Bolsonaro nas relações exteriores?
O novo governo está apostando muito fortemente no comércio exterior. Tem toda uma estratégia que é muito boa. Está acreditando muito no comércio exterior e querendo dar muito foco nisso, o que é bastante interessante. A expectativa é boa, inclusive se a gente pensar nos acordos, parece que a política que se pretende aplicar é positiva.
Com relação ao alinhamento que o governo brasileiro promete ter com Israel, o senhor acredita que isso pode afetar negativamente as exportações para os países árabes?
Pode. Tenho essa convicção. Vou te dar uma comparação: tivemos o efeito da Carne Fraca (Operação da Polícia Federal sobre suposto esquema fraudulento no Ministério da Agricultura pelo qual fiscais agropecuários estariam cobrando de frigoríficos para fazer vista grossa sobre problemas sanitários), que é uma coisa que poderia ter afetado bastante o comércio porque um dos grandes produtos de exportação para os árabes é carne bovina e de frango. Tivemos a paralisação dos caminhoneiros, que também afetou. Porém, nisso tudo a gente conseguiu e consegue manter a fidelidade dos árabes baseados na confiança. Fomos lá, levamos o ministro (Blairo Maggi, então titular da Agricultura), ele explicou a situação. Tanto que não prejudicou o comércio. Agora, uma questão mais política, que envolve uma resolução da ONU (que considera nula decisão do parlamento israelense que definiu Jerusalém como capital de Israel), muito mais sensível, mexe com as relações de forma mais profunda.
Quais os riscos para o comércio?
São posições que deixam o Brasil em posição menos neutra. O risco é bem maior. No mínimo, pode haver ruído na relação comercial. Estamos falando de 22 países árabes. A liga de Estados árabes já se pronunciou frontalmente contra (a transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém) e que isso pode afetar o comércio. A própria liga fala isso. A União das Câmaras Árabes, da qual fazemos parte, também afirma isso. Ela é que dá o tom do comércio. Pode perder mercado. Mas você pode ter ruídos que levem, primeiro, a uma perda de potencial futuro. Você passa a não crescer tanto quanto poderia estar crescendo. Porque, na hora em que você está quebrando um pouco a confiança, pode começar a abrir portas para que um país ouça a oferta de concorrentes. No mínimo, pode acontecer isso. Você está abrindo o flanco, algo que hoje não acontece. Hoje, tem fidelidade. Mas você começa a deixar que ele (um país importador) olhe para o vizinho. Ouça uma oportunidade, seja tentado a testar em outro momento. No mínimo, você vai perdendo potencial. Pode não crescer como poderia e, com o tempo, perder mercado mesmo. Vendendo menos. É um passo arriscado para o comércio.
A promessa de transferir a embaixada já chegou aos países árabes?
Já chegou, eles têm essa preocupação. Os empresários já estão se posicionando com relação a essa preocupação. Às vezes, o próprio empresário pode falar: "Não vou mudar, não preciso mudar". Mas há orientação da Liga Árabe, que já se pronunciou contra. Já fez uma carta a respeito disso. Então, existe, sim, essa preocupação lá, e está sendo discutido.
Durante a campanha, o então candidato Bolsonaro chegou a comentar a possibilidade de fechar a representação palestina no Brasil. Como isso pode afetar o comércio com os árabes?
Faz parte do todo. Da preocupação total. Somos uma câmara de comércio, então a gente vê pelo lado comercial. No todo, pela ótica dos países árabes, qualquer alteração é preocupante. A gente luta para que cada vez mais nações tenham representações no Brasil. Hoje, estamos com 17 dos 22 (países que integram a Liga Árabe). Então, claro que a gente se preocupa se mexe com uma (representação). Mas é um caso mais político do que comercial. Comercialmente, quanto mais representações no Brasil, mais o comércio cresce. Representações tanto de um país árabe aqui quanto do Brasil em outra nação árabe faz com que os comércios aconteçam. Mais do que se não houver representação. Se existem, as pessoas interessadas conversam, fazem acordos. Tudo isso faz com que os negócios aconteçam. Na hora em que você passa a não ter, esse comércio passa a arrefecer.
O senhor esteve recentemente com o vice-presidente Hamilton Mourão. Como foi a conversa?
Senti que ele estava muito aberto ao que estávamos colocando. Não conversamos especificamente sobre esta questão (da transferência da embaixada). Levamos a ele um estudo que fizemos sobre os próximos quatro anos, mostrando o potencial dos produtos brasileiros, setor a setor, onde a gente acha que poderia trabalhar os investimentos. Cerca de 40% do capital dos fundos soberanos mundiais estão nos países árabes. E eles têm uma predisposição muito forte em investir aqui. Não só porque o Brasil é um país amigo, mas porque, aqui, temos toda produção de alimentos que, para eles, interessa muito. Estão interessados que nossa produção chegue de forma mais barata e rápida. Se vierem aqui e investirem na logística da produção de alimentos, acaba fechando o ciclo. Eles entram com recursos financeiros, e devolvemos com alimentos. Mostramos para o vice-presidente esse potencial, tanto de produtos, de comércio, quanto de investimentos e o quanto isso é importante, o quanto podemos crescer. E aí fica claro o risco de não se atingir isso em razão de movimentos nessa área mais política.
O senhor chegou a comentar a sua preocupação com relação aos riscos com relação à questão de Jerusalém?
Foi falado. Eu falei. Mas não perguntei o que ele achava. Coloquei como preocupação e expliquei os argumentos sobre o porquê da minha preocupação, os argumentos comerciais da Câmara.
RODRIGO LOPES
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