sexta-feira, 18 de janeiro de 2019



18 DE JANEIRO DE 2019
DAVID COIMBRA

Sexo e sangue

Gostava de ser repórter de polícia. Na prateleira daquela editoria faiscavam as melhores histórias para se contar. Sexo e sangue, meu caro. É do que as pessoas gostam: sexo e sangue.

Aliás, certa vez estava palestrando em uma cidade do Interior, não lembro qual, e falei algo que sempre falo: que não há nada mais humano do que um assassinato.

O que queria dizer é que o ato de uma pessoa tirar a vida de outra é o que existe de mais grave e de mais visceral na sociedade humana, com todos os profundos significados possíveis. Mas alguém que estava na plateia não entendeu assim e achou que eu havia classificado o assassinato como um "ato humanitário", em vez de um ato "próprio da humanidade". Na época, ele não se manifestou. Muitos anos depois, enviou um e-mail contando que tinha ficado tão revoltado com minha frase que deixou de ler o que escrevo. Só agora, deparando com uma crônica da qual gostou, o leitor me perdoou.

Mas, voltando ao tema do assassinato, lembro de como era divertido trabalhar na editoria de polícia, porque me sentia escrevendo contos noir como os velhos mestres americanos Ed McBain, David Goodis, James Ellroy, Lawrence Block, Michael Connelly, Raymond Chandler, Dashiell Hammett.

Desses, o que tem o texto mais fluido é Ed McBain, enquanto Chandler é uma espécie de fundador do gênero. Agora, a história de vida mais dramática, dentre todas, é a de James Ellroy e é dele que quero me ocupar.

Acontece que aqui, nos Estados Unidos, críticos literários destacaram o último 15 de janeiro como aniversário da data do evento que transformou Ellroy em um escritor reconhecido. O evento a que me refiro é o estrondoso Caso da Dália Negra.

A propósito, naquela época era assim: se havia uma investigação, nós, da editoria de polícia, criávamos o que se chama de "cartola" especial para tratar dela. Era o "Caso Daudt", o "Caso Kliemann", sempre um "caso", e essa pequena palavrinha bastava para galvanizar o leitor.

O Caso da Dália Negra galvanizou os Estados Unidos. Deu-se em Los Angeles, em 1948. No gelado 15 de janeiro daquele ano, o corpo de uma aspirante a atriz foi encontrado mutilado selvagemente em um terreno da cidade. Ela se chamava Elizabeth Short, era belíssima e tinha apenas 23 anos. Segundo a polícia, Elizabeth sofreu horrivelmente antes de ser executada. Foi torturada por pelo menos dois dias com cortes pelos membros e queimaduras de cigarro. Por fim, o verdugo a espancou até a morte com um taco de beisebol, atorou seu corpo pela metade e o abandonou ao lado de uma calçada.

Quando os repórteres descobriram que Elizabeth sempre se vestia de preto, passaram a chamá-la de "Dália Negra". Apesar do grande interesse da imprensa e da polícia, o autor do crime jamais foi descoberto.

Ellroy nasceu meses depois do assassinato.

Dez anos mais tarde, ele vivia com sua mãe, Geneva, mas não se sentia feliz. Ela estava sempre bêbada e trocando de namorados. Um dia, ele disse que queria morar com o pai, Geneva se enfureceu e bateu nele. O pequeno Ellroy rosnou:

- Espero que você morra!

Não muito depois, ela morreu estrangulada. Como no Caso da Dália Negra, o crime nunca foi desvendado. Ellroy, obviamente, passou a carregar um brutal sentimento de culpa, tornou-se ele também um bêbado, um assaltante de casas, um sem-teto. Já adulto, trabalhava como caddie num campo de golfe e leu sobre o Caso da Dália Negra. Ficou obcecado, fez investigações por conta própria e escreveu um espetacular romance de não ficção a respeito. Foi o livro que o consagrou. E é o livro que indico a você para este verão. Sexo e sangue, meu amigo. Nada titila mais os sentimentos humanos do que sexo e sangue.

DAVID COIMBRA

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