25 DE JANEIRO DE 2019
DAVID COIMBRA
A Corrida do Ouro
Em março de 1848, um americano expedito chamado Samuel Brannan leu em um jornal da Califórnia que um fazendeiro havia descoberto ouro em sua propriedade não muito longe dali, às margens do Rio dos Americanos. Brannan não perdeu tempo: saiu comprando todas as pás, balanças e bateias, todos os equipamentos de mineração que podia encontrar nas imediações. Depois disso, encheu uma garrafa de pedras amarelas e percorreu as ruas de San Francisco, gritando:
- Ouro! Ouro! Ouro do Rio dos Americanos!
A notícia sensacional se espalhou como se fossem nudes no WhatsApp. Em pouco tempo, gente do mundo inteiro chegava a San Francisco para extrair ouro do Rio dos Americanos.
Quando digo "gente do mundo inteiro", é do mundo inteiro mesmo. Os ianques do nordeste dos Estados Unidos tomavam navios até o Panamá e desciam pelo Atlântico. Como o canal ainda não havia sido cavado, eles desembarcavam ali e cruzavam o estreito por terra (e mato). Depois, pegavam mais um navio para subir pelo Pacífico até San Francisco. Outros vinham da Europa e muitos, muitos chegaram da longínqua China.
Havia sido dada a largada para a Corrida do Ouro da Califórnia. Logo, mais de 300 mil pessoas viviam naquele lugar, que, até pouco tempo antes, só era habitado por índios e alguns punhados de aventureiros.
Toda essa massa queria encontrar ouro. Para encontrar ouro são necessários? instrumentos de mineração. E quem tinha instrumentos de mineração para vender?
Samuel Brannan.
Só que a peneira que comprara por 20 centavos de dólar ele agora vendia por 20 dólares, e não adiantava reclamar. Brannan ficou rico graças à Corrida do Ouro sem jamais ter descoberto uma única pepita nem ter sujado as mãos macias na lama do rio.
Ontem, os americanos lembraram a data em que foi encontrado o primeiro rastilho de ouro pelo fazendeiro, exatamente um 24 de janeiro. Ou seja: transcorreram dois meses até que Brannan leu a notícia no jornal de San Francisco. Ninguém dera maior importância àquela informação, até alguém sair pelas ruas apregoando: isso é importante! Isso é importante!
É notável, porque se trata do mesmo princípio das notícias virais do mundo virtual de hoje. O processo funciona assim: uma notícia é publicada por algum veículo tradicional de comunicação. Alguém separa aquela notícia, recorta um pedaço e atarraxa um título "esquentado". Digamos: "Escândalo em rede nacional!". Essa edição cai nas redes sociais e é replicada infinitamente, até que os veículos tradicionais de comunicação a publicam outra vez, agora como repercussão. Nessa volta completa, o que era fato virou fofoca, que se transformou de novo em fato.
Por quê?
Porque alguém interpretou o fato. Brannan dizia: "Venha colher o ouro do solo! Venha ficar rico!". Os editores das redes dizem: "Isso é uma vergonha!". Ou: "Político ladrão é desmascarado ao vivo!".
O mundo muda; as pessoas não. Elas têm preguiça de tirar suas próprias conclusões. Preferem que alguém tire por elas. E, depois que isso é feito, depois que a conclusão é adquirida, não querem mais se afastar dela. A conclusão tornou-se sua posse, e pronto. Que ninguém venha com outra ideia. Que ninguém venha lhes dar trabalho. Porque é muito mais fácil viver se alguém lhes diz o que pensar.
DAVID COIMBRA
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