quarta-feira, 9 de janeiro de 2019



09 DE JANEIRO DE 2019
NÍLSON SOUZA

O novo vício

O mundo perfeito e maravilhoso das redes sociais vem sofrendo ataques constantes de militantes arrependidos. Não passa dia sem que um desses gurus do Vale do Silício venha a público para denunciar malefícios da internet ao cérebro humano ou para revelar que controlam o uso da tecnologia em casa. O próprio Bill Gates, megaempresário e ícone da vida digital, conta que seus três filhos só ganharam celulares próprios depois de completar 14 anos - e que continuam proibidos de acessá-los durante as refeições. Agora saiu um livro escrito por Jaron Lanier, um dos idealizadores da realidade virtual dedicado à expansão da internet, com o sugestivo título de Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais.

O principal deles, segundo o cientista, é o de que a telinha se tornou um vício do qual as pessoas não fazem a mínima questão de se livrar, até mesmo porque não se dão conta da gradativa perda do livre-arbítrio. Ele diz que uma engrenagem intrincada de algoritmos modifica constantemente o comportamento de milhões de pessoas sem que elas percebam, sempre com o propósito de manipular emoções, distorcer a verdade e, razão maior de tudo, assegurar lucros para anunciantes e controladores do sistema. Lanier é definitivo sobre o assunto:

- Evito as redes sociais pela mesma razão que evito as drogas.

Quando eu era menino (e vestia azul), o pânico dos pais e educadores eram os gibis - denominação antiga para as revistas de quadrinhos. As revistinhas eram proibidas na escola, censuradas em casa e consideradas prejudiciais ao processo educativo, pois, na visão dos adultos, ocupavam o lugar daquilo que realmente deveríamos aprender. Mas éramos viciados naquela atraente conjugação de desenhos e legendas, a ponto de nos deslocarmos para o cinema do bairro, aos domingos, com pilhas de gibis debaixo do braço para trocar com outras crianças. Como experiência pessoal, posso dizer que aprendi a ler (sozinho, antes de entrar para a escola) pelo desejo irrefreável de compartilhar com meus irmãos as discussões sobre os famigerados gibis.

Anos mais tarde, a pecha de dementador passou para a televisão, que agora parece estar perdendo espaço e poder de influenciar para as redes sociais.

Acho que tem muito alarmismo aí, mas reconheço que estamos vivendo tempos desconcertantes. Na recente posse presidencial, por exemplo, um grupo de apoiadores do governo, contrariado com o tratamento dispensado pela mídia, especialmente pela Rede Globo, voltou-se para os jornalistas e começou a gritar:

- WhatsApp! WhatsApp! Facebook! Facebook!

O episódio suscitou críticas e comentários irônicos. Como homem de imprensa e cidadão, achei mais preocupante do que engraçado. Se fôssemos depender apenas do aplicativo e da rede social, como sugere o insensato coro, o abusador de Abadiânia ainda estaria atuando e molestando mulheres fragilizadas e indefesas. E todos aqueles que abusam do país talvez permanecessem impunes.

NÍLSON SOUZA

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