17 DE JANEIRO DE 2019
POLÍTICA
DO CHURRASCO EM PROGRESSO PARA CADEIA NA ITÁLIA
CESARE BATTISTI, DETIDO no sábado, foi recebido em 2012 por membros da família de mesmo sobrenome na cidade do Vale do Taquari. Hoje, notícia da captura divide opiniões
Torrão natal de gerações de Battisti, o município de Progresso, no Vale do Taquari, recebeu a notícia da prisão do procurado nº 1 da Itália, no último sábado, com um misto de sentimentos. Detido em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, Cesare Battisti, 64 anos, não só era conhecido na localidade de 6,2 mil habitantes - onde foi acolhido com festa em junho de 2012 - como fez amigos por lá. Hoje, há quem lamente a captura e quem tenha dúvidas sobre a inocência do condenado por quatro assassinatos. Muitos evitam falar no assunto.
A aproximação começou quando o estrangeiro - então refugiado político no Brasil - esteve em Porto Alegre para o pré-lançamento de um livro. Na ocasião, recorda o empresário Pedro Battisti, 59 anos, surgiu a ideia de convidá-lo para visitar a cidade, onde o sobrenome em comum é tradicional e estampa a fachada de inúmeros estabelecimentos comerciais.
Encorajado por Pedro, proprietário de um sítio no local, o italiano aceitou o convite, que incluiu uma churrascada no CTG Sinuelo da Amizade. À época, a novidade causou furor no lugar e virou notícia.
Houve quem condenasse a atitude, com medo da repercussão negativa, por se tratar de um homem que havia sido condenado à prisão perpétua na Itália, acusado pelo assassinato de quatro pessoas nos anos 1970. Até boatos de um possível atentado correram à boca pequena.
PASSAGEM PELO MUNICÍPIO FOI NOTÍCIA EM TODO O BRASIL
O fato é que o visitante foi recepcionado por dezenas de "parentes distantes" para uma confraternização que durou um fim de semana inteiro. Battisti bebeu vinho, comeu nacos de picanha, posou para fotos e até conversou com a imprensa, que foi em peso cobrir a inusitada visita - inclusive ZH, que publicou a história na edição de 18 de junho de 2012.
- Depois daquela ocasião, ele voltou outras vezes a Progresso, e eu fui à Itália, onde conheci um de seus irmãos, o Domenico. Pesquisei muito sobre o Cesare e, apesar de tudo o que dizem dele, tenho convicção de que é inocente. Acho que ele se deixou prender, porque não aguentava mais aquela situação de viver fugindo - afirma Pedro.
Por coincidência, o italiano foi detido na véspera de um encontro da família Battisti em Xanxerê (SC). O assunto repercutiu nas rodas de conversa.
- Ele chegou a participar de vários desses encontros com a gente. Ficamos sentidos - conta o empresário, que guarda fotos, livros autografados e outras lembranças do amigo.
MISTO DE BOA IMPRESSÃO E PULGA ATRÁS DA ORELHA
Em Progresso, a confirmação da prisão não chegou a surpreender. Muitos já esperavam o desfecho. Primeiro, porque, em dezembro de 2018, o então presidente Michel Temer assinou o decreto de extradição de Battisti. Em segundo lugar, pela eleição de Jair Bolsonaro, que, logo após o ato de Temer, prometeu entregar o foragido "de presente" ao governo italiano. Bolsonaro obteve 53,21% dos votos válidos no município.
Proprietários da Funerária Battisti, na área central da cidade, Paulo, 64 anos, e Edi Battisti, 56 anos, conversaram com o ex-ativista quando ele passou por lá e ouviram a sua versão da história. Edi gostou do visitante, mas não esconde as dúvidas.
- Todo mundo aqui comentou a prisão dele. A gente prefere ficar neutro, porque ele era um cara legal, mas a verdade sobre o passado não temos como saber. Ele sempre dizia que participou do grupo envolvido nesses crimes, mas que não tinha matado ninguém. Mas e se fez alguma coisa? Se fez, tem de responder por isso - pondera Edi.
Nem todos se sentem à vontade para falar sobre o tema. É o caso de Odali Battisti, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Progresso. Procurado por Zero Hora, ele preferiu silenciar.
- Não quero falar nada. É um assunto polêmico - limitou-se Odali.
O ex-prefeito Edegar Cerbaro (PP), a quem coube, à época, dar boas-vindas ao recém-chegado, ressalta que a família Battisti é "muito respeitada e querida" no município. Por ter o mesmo sobrenome, destaca Cerbaro, o visitante foi tratado com cordialidade e educação - e retribuiu as gentilezas. Hoje, segundo o ex-gestor municipal, há quem afirme que ele "tem de pagar pelo que fez", embora as incertezas persistam.
- Pelo que a gente sabia, a Itália sempre esteve atrás dele, então não era novidade que um dia a prisão ia acontecer. Quando esteve entre nós, pareceu uma pessoa normal, muito tranquila. Até fisicamente era muito parecido com os Battisti aqui de Progresso, que são todos muito honestos, pessoas exemplares. Mas o que vou dizer? Pode ser que seja mesmo culpado, pode ser que não. Seja como for, acho que Cesare vai ser sempre lembrado em Progresso - conclui o ex-prefeito.
JULIANA BUBLITZ
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