07 DE JANEIRO DE 2019
ROSANE TREMEA
Nossas marcas
Dias atrás, num agradável almoço de final de ano com amigos, tratávamos de fazer um registro fotográfico para marcar aquele momento, mais raro do que gostaríamos.
A selfie saiu meio desajeitada, a gentileza do garçom também não se revelaria muito efetiva e, por fim, o olhar mais profissional de alguém acostumado às imagens, fora do grupo, conseguiu captar a alegria de estarmos juntos.
Rimos, e a fotografia virou o assunto do resto do encontro. Uma das pessoas, interiorana como eu, revelou que teve sua primeira foto tirada aos quatro ou cinco anos. Eu também! E concluímos, sem nenhum estudo científico, que nós, pessoas com mais de 50 anos moradoras de cidades pequenas na infância, não somos exceção.
Registrar a vida passada por meio de imagens era raro e caro. Minha primeira foto tinha a solenidade da época: tirada em estúdio fotográfico com um cenário e cortinas ao fundo, piso de linóleo estampado, uma banqueta ao estilo das de piano e uma pose milimetricamente pensada - coluna reta, mãos apoiadas nos cantos do banco, pés (com sapatos fechados e meias até a canela) levemente sobrepostos, sorriso leve.
Também lembramos que fotógrafos não eram considerados exatamente amistosos para crianças assustadas. Ainda se usavam, então, câmeras do tipo das de lambe-lambes, um pano preto a cobrir a cabeça do profissional, que exigia do fotografado imobilidade completa e silêncio total.
Talvez por isso, supusemos na nossa conversa de amenidades, as pessoas não sorriam nas fotos de antigamente, de modo especial os adultos. Numa das fotos mais emblemáticas de minha família, há 28 pessoas enquadradas e o máximo que se vê são lábios puxados a la Monalisa. E olhe lá!
Dentes feios? Medo? O tempo que se levava para tirar a foto?
Tudo isso, sobre o que muitos já especularam, entrou na roda.
Fui ler a respeito e a coisa mais interessante que encontrei é um estudo da pesquisadora Shiry Ginosar, da Universidade de Berkeley, que sobrepôs 37.981 fotos de formaturas de estudantes dos EUA e mostrou como os semblantes se pareciam e como se modificaram ao longo de um século, entre 1910 e 2010, fruto de padrões culturais de cada época.
Rir, ou mesmo sorrir, em tempos idos, poderia ser associado a, no mínimo, leviandade.
Algo que nem de longe se cogita agora. Ainda mais quando se trata de crianças. E, principalmente, de seus pais, que não as poupam de (super)exposição. Um cálculo, para mim subestimado, da britânica Children?s Commissioner, projeta que uma criança nascida nos dias de hoje terá uma média de 1,3 mil fotos publicadas em redes sociais até os 13 anos de idade (sem contar as milhares que terão sido tiradas para essa seleção de "publicáveis"). Sem escolha, ela terá sua vida superdocumentada. E com largos sorrisos. Mais um retrato da nossa época.
ROSANE TREMEA
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