04 de outubro de 2015 | N° 18314
L. F. VERISSIMO
Mundo doente
Todas as garrafas que lancei ao mar com mensagens ao desconhecido voltaram sem réplica, ou com o texto corrigido. Nenhum dos meus gurus tinha resposta para minhas indagações existenciais e um até confessou que era surdo e não ouvia as minhas perguntas, o que explica ele ter respondido “sim” quando eu perguntei se deveria seguir o Bhagavad Gita, o Kama Sutra,
O Capital ou uma combinação dos três. Todos os meus telefonemas dão em secretárias eletrônicas com a voz exatamente igual. Da última vez que implorei por um contato humano, alguma coisa viva – uma hesitação, um erro de concordância, um resfriado, até, em último caso, uma reação irritada – a voz disse: “Para reação irritada, digite 4”.
Decidi procurar consolo na internet, mas sabia o que me esperava. Cairia num site que me ensinaria a fazer bombas caseiras, outro de alguém que teria tara por Matildes, outro o de um movimento pela canonização do papa Francisco em vida, outro de um onanista compulsivo cheio de erros de digitação porque, presumivelmente, seus textos seriam escritos com uma mão só, outro de um homem que propunha a troca de fotografias do seu bigode ridículo com as de bigodes ridículos de todo o mundo, com a possibilidade de casamento, e até imaginei o site de alguém que pediria para comprar vários dos meus órgãos para comer.
Este eu nem pensaria em atender, sou muito apegado a todos os meus órgãos apesar do que alguns têm me feito passar, mas só por curiosidade perguntaria como ele prepararia, por exemplo, meu fígado e, num rasgo de sentimentalismo, sugeriria que o servisse acompanhado de um Sauterne de boa safra. E que desagravasse meu coração com batatas dauphinoise.
Todos, inclusive o cara que estaria a fim das minhas tripas à moda de Caen, só demonstrariam como eu entrara num fascinante mundo doente, o da humanidade reduzida às suas fomes e às suas esquisitices primevas, ao entrar na internet. Terroristas, fascistas, fetichistas e canibais são – ou espero que sejam – minorias entre os habitantes deste mundo, e se sexo é o assunto preferido da maioria é porque sexo, no fim, é a preocupação dominante da espécie, nada de novo.
Mas há algo de assustador nessa variedade de prospecções predatórias de gente atrás de afinidades. Sei lá se eu não tenho alguma obsessão secreta (pés de noviças?) só esperando um correspondente para se manifestar. Mas desisti de localizar meus similares (os revoltados com a revolta, os que já desistiram até de desistir) e concluí que a primeira condição para encontrar a minha turma é jamais frequentar a internet.
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