sábado, 9 de maio de 2009



10 de maio de 2009
N° 15965 - MOACYR SCLIAR


Retrato de mãe

Onde foi tirada a foto que aparece nesta página? A resposta que imediatamente ocorrerá a vocês é: num país do Terceiro Mundo, no Brasil, na Bolívia, no Paraguai, ou então em algum lugar atrasado da Europa Oriental.

Não. Esta foto foi tirada no país mais rico do mundo, os Estados Unidos. Atrás dela há uma história que vale a pena evocar, neste Dia das Mães de 2009.

A autora da foto é a genial Dorothea Lange. Nascida em New Jersey em 1895, Dorothea teve uma infância muito infeliz. Aos sete anos, contraiu paralisia infantil, uma doença que, graças à vacina, praticamente não existe mais, mas que a deixou com uma perna atrofiada.

Poucos anos depois, o pai abandonou a família. A mãe arranjou um emprego na Biblioteca de Nova York, e, na mesma cidade, Dorothea cursou uma escola pública. Aos poucos, foi nascendo nela uma vocação pela fotografia.

Fez um curso na área, mas aprendeu mesmo trabalhando com grandes fotógrafos da época. Casou, teve dois filhos, e foi se tornando cada vez mais conhecida por seu trabalho fotográfico. No começo da Grande Depressão americana, foi contratada por uma repartição federal para fazer uma cobertura fotográfica da desesperadora situação que os Estados Unidos então viviam. Foi assim que surgiu a foto.

A mulher que nela aparece chamava-se Florence Thompson. Como muitas outras naquela época, era uma retirante - tinha migrado do Meio-Oeste para a Califórnia, tentando ganhar a vida com a colheita de frutas, um drama que o grande escritor John Steinbeck retratou em As Vinhas da Ira.

A Dorothea, ela contou que vinha passando fome há semanas, o que é claramente visível em seu aspecto. Mas não só isto é visível. Notem a apreensão do olhar. A filha está em seu colo, e ela a segura quase que automaticamente, como automaticamente uma mãe protege os filhos.

Ela não pode olhar para a filha, ela não pode brincar com a filha. Ela tem o olhar perdido, um olhar que claramente retrata a dúvida terrível: o que será de nós? E, no entanto, Florence não deixa de ser mãe. Ela é a mãe que luta, a mãe que enfrenta a adversidade, que faz das tripas coração.

O mundo está vivendo uma crise. Não tão terrível como aquela, mas uma crise, de qualquer maneira – isso, sem falar na pobreza crônica de muitos países. As Florence Thompson, agora sob outros nomes, continuam entre nós. É preciso que, ao menos, notemos sua existência. Como o fez Dorothea Lange com sua câmera.

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