Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sábado, 9 de maio de 2009
10 de maio de 2009
N° 15965 - DAVID COIMBRA
O que você poderia ter lido, e não leu
Imagine agora a minha situação: lá estava eu, no meio do mato, no alto da Serra do Rio do Rastro, e não havia mais nenhum terráqueo por perto além do fotógrafo e de outros seis homens um pouco irritados com a minha presença no local, um deles na verdade bastante irritado, tanto que sacou de algum lugar uma espingarda, ou um rifle, ou sei lá o que era aquilo, e apontou para mim e afirmou, peremptoriamente:
– Eu não vou dar entrevista!
Eis o problema. Tinha ido até lá para entrevistá-lo, queria colher o depoimento de um madeireiro sobre o desmatamento da área, e ele era um madeireiro, e estava desmatando a área.
Já havia falado com outras pessoas e visto muito da ação dos madeireiros por lá, mas a entrevista seria uma ilustração importante para a reportagem. Só que o sujeito realmente não demonstrava vontade de falar comigo. Ele estava com o rosto vermelho e seu nariz brilhava e seus olhos faiscavam de raiva e, o principal, tinha aquele canhão nas mãos.
Em dois ou três segundos, fiz um balanço do panorama. Poderia insistir para que me desse a entrevista, mas então haveria certo risco de enfurecê-lo ainda mais e, furioso, talvez o homem fizesse um pequeno movimento com o indicador, não mais do que um centímetro, o que parece pouco, mas provavelmente seria suficiente para puxar o gatilho da arma para trás, fazendo com que do cano escuro voasse uma bolota de chumbo quente do tamanho de um amendoim, o que parece pequeno, e talvez até seja, mas, propelida àquela velocidade, a bolota teria poder de rasgar a minha epiderme e a derme e vários outros tecidos e camadas de músculos e possivelmente ossos, e doeria.
Continuava com essas cogitações, quando ele perguntou, em tom alto e ameaçador:
– Prefere levar um tiro???
Gramaticalmente falando, tratava-se de uma pergunta intrigante. Eu preferia levar um tiro ao quê? Ele não havia esclarecido quais eram as alternativas. Mesmo assim, consultei minhas experiências pretéritas e questionei: o que pode ser pior do que levar um tiro? Muito pouca coisa, talvez a tortura moral, uma consciência atormentada ou a dor de infligir dor aos outros. Seriam essas opções a que ele se referia?
De qualquer forma, decidi que preferia ficar sem levar um tiro naquele momento. Recuei. Fui embora sem a entrevista. Os leitores que me perdoassem. Embora saiba que eles, vocês, sejam inclementes.
Para eles, vocês, pouco importam os sacrifícios pelos quais passou o repórter. Importa é o produto acabado e impresso. As reportagens que foram publicadas podem até ser imortalizadas em papel, como as que formaram o livro comemorativo aos 45 anos de Zero Hora, há pouco lançado. Mas e as que não saíram? Ou as que saíram pela metade?
Eu e meus colegas que tivemos matérias selecionadas para o livro ficamos todos muito honrados com a escolha, mas imagino que o jornal poderia lançar outra obra de sucesso: “Grandes Fracassos de Reportagem”. Nela incluiria matérias que jamais foram publicadas.
O Benfica, por exemplo, escreveu crônicas dos jogos da Seleção durante toda a Copa do Mundo. Isso para o caso de eu, que estava lá na Copa, não conseguir enviar o material. Consegui, e até hoje o Benfica relê as crônicas inéditas, que ele guarda amorosamente numa gaveta da sua mesa de trabalho, e suspira:
– Como seria bom se alguém lesse...
Nessa mesma Copa o jornal pediu que cobrisse Portugal versus França. Planejei contar o jogo meio que pelo ângulo do Felipão. Depois de muita barganha com colegas de várias nacionalidades, num poderoso exercício para o meu inglês e para a minha mímica, consegui um lugar a quatro metros do Luiz Felipe e fiquei atento feito um dobermann.
Ouvi todas as instruções que ele passava para os jogadores, anotei cada palavrão que ele gritava, registrei os tapas que dava na própria perna, as vezes em que passava a mão na cabeça, escrevi uma matéria histórica. His-tó-ri-ca! Que terminou cortada mais ou menos em 70%, porque o espaço fora reduzido. Brabo.
São tantas as coberturas frustradas, as entrevistas sonegadas, as pautas perdidas, os textos escritos e não lidos... Ainda quero contar sobre o campeonato de pingue-pongue que assisti na China, sobre um treino da Seleção no qual os jogadores só correram em volta do campo, sobre o ponta-esquerda japonês que jogava no Próspera. Alguém quer ler?
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