quinta-feira, 7 de maio de 2009



07 de maio de 2009
N° 15962 - LUIS FERNANDO VERISSIMO


Reparação

Um problema enfrentado pelo governo do Barack Obama o aproxima da América Latina: o que fazer com o passado? Investigar e punir crimes cometidos por outro governo ou deixar pra lá, para que o passado não complique o presente?

Países como o Chile e a Argentina enfrentaram a questão. Nesses, os desmandos das suas ditaduras recentes pelo menos estão sendo discutidos. No Brasil, uma anistia preventiva impediu que se fizesse o mesmo.

Nos Estados Unidos, especula-se sobre até onde vai a culpa pelo “interrogatório intensificado”, o eufemismo para tortura usado desde os tempos da Gestapo, no combate do governo Bush ao terrorismo.

O Baraca está sendo pressionado para publicar tudo que existe em papéis oficiais sobre a prática e seus mandantes, mas não parece muito entusiasmado com a perspectiva. O ex-vice-presidente Cheney defende abertamente a tortura. Ele, mais gente como o ex-secretário de Defesa Rumsfeld e o próprio presidente Bush, estaria entre os alvos de uma investigação profunda de responsabilidades, partindo da Casa Branca ou do Congresso.

Pelo que se sabe, o objetivo principal dos primeiros interrogatórios intensificados era estabelecer uma ligação entre a Al-Qaeda e o regime do Saddam Hussein, o que fortaleceria os argumentos do governo Bush para invadir o Iraque.

Cheney diz que a informação conseguida com a tortura impediu novos ataques terroristas aos Estados Unidos, mas a informação que mais queriam não apareceu. Não havia a ligação Al-Qaeda/Saddam, assim como não havia armas de destruição em massa no Iraque. Mas a invasão aconteceu assim mesmo. A tortura, no caso, era irrelevante.

A comparação dos Estados Unidos com países da América Latina no mesmo dilema é superficial, claro. Obama não sucedeu a um governo ditatorial que tivesse suprimido os direitos civis, por pior que se considere Bush e sua gangue.

Mas é justamente a anomalia que representava a tortura num Estado de direitos garantidos, a afronta aos tais valores americanos, que hoje reforça a pressão para que tudo seja investigado e punido, incomode a quem incomodar. É verdade que não deixa de haver uma certa hipocrisia nessa indignação retroativa à procura de reparação.

Como lembrou, há dias, o Zuenir, durante muitos anos o exército americano manteve em Fort Benning, no Estado da Geórgia, uma Escola para as Américas, onde militares latino-americanos iam aprender táticas de repressão para enfrentar a ameaça comunista no hemisfério e onde métodos de interrogatórios não convencionais, outro eufemismo, faziam parte do currículo.

A escola ainda existe, mas mudou de nome. O outro ficara muito falado. Não sei se o currículo ainda é o mesmo, mas, se o Baraca se animar, também pode incluir este passado nas suas considerações.

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