Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
segunda-feira, 4 de maio de 2009
04 de maio de 2009
N° 15959 - SERGIO FARACO
O bote do homem-cobra
Aquele Plínio Pinto, balconista da farmácia, era um caso radical de dupla personalidade.
Funcionário zeloso e entendido em medicamentos, cujas bulas conhecia tanto quanto o farmacêutico, também era sacristão e noivo perpétuo de Lucimery, servente do Colégio Divino Coração. Receitava para os necessitados, aplicava injeções, entregava remédio em casa e, na igreja, puxava o terço das vésperas pela saúde dos enfermos. Em Alegrete, gozava de maior estima do que o padre e o farmacêutico.
À noite, transformava-se, e o povo ordeiro fugia dele. Vestia uma capa negra, blusa vermelha com uma naja no peito, culote militar verde-oliva e botas de camurça baia, e se identificava como o Homem-Cobra.
Percorria as alamedas da praça à cata de elementos suspeitos e fazia o périplo dos bordéis, onde era recebido com júbilo pelos boêmios e incitado a narrar suas proezas, que todos fingiam ouvir com espanto e admiração. Não era raro comparecer à farmácia, na manhã seguinte, com hematomas no rosto, sinal de que provocara alguém que não estava com ânimo teatral.
Até então, suas façanhas tinham sido fruto da imaginação, e foi numa noite engalanada do Clube Cassino que fez a tentativa de torná-las reais. Festejava-se, no salão do segundo piso, o aniversário do filho do dr. Paulino. O aniversariante apagou as velinhas e foi levado embora, tinha apenas cinco anos. A comemoração era um pretexto: o doutor, candidato a prefeito, buscava adesões à sua campanha.
Do programa da noite constava a entrega de medalhas a personalidades merecedoras do reconhecimento público: o médico, o provedor do Hospital de Caridade, um ex-prefeito e correligionário, o antigo jardineiro da praça e, por certo, o benemérito Plínio Pinto. Mas o balconista da farmácia, surpreendendo a todos, não estava presente.
Depois do jantar, no momento em que alguém fazia tilintar uma garrafa – dr. Paulino, num improviso, ia saudar os convivas e dar início às homenagens –, Lucimery entrou correndo no salão, a gritar que seu noivo estava agachado no muro do terraço, em vias de dar um bote no vazio.
Sobreveio um átimo de assombro e logo o burburinho, a correria. E o Homem-Cobra, empolgado com o frisson que causava, não ouviu os apelos da amada e lançou-se do terraço para a glória, em pé.
Quebrou as duas pernas e o calcanhar.
Dr. Paulino perdeu a eleição por 17 votos. Em entrevista à ZYE-9, portou-se à altura, enaltecendo o jogo democrático e cumprimentando o prefeito eleito, mas à noite, no clube, tomou um pileque.
Esmurrava a mesa, atribuindo a derrota ao fiasco do Homem-Cobra, e clamava à desconsolada claque: “Foi cobra mandada! Foi cobra mandada!” .
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