terça-feira, 6 de novembro de 2007



06 de novembro de 2007
N° 15410 - Cláudio Moreno


O que fica

O ateniense Praxíteles talvez tenha sido o maior escultor que a Grécia nos deu. Foi ele o primeiro a representar o nu feminino, criando a Afrodite de Cnido, a estátua mais famosa (e mais visitada) de toda a Antigüidade.

Nós não deveríamos conhecê-la, pois, afora as descrições literárias, dela não restam senão alguns poucos fragmentos, espalhados por museus do mundo inteiro;

contudo, a sua rara beleza fez com que ela chegasse até os nossos dias de mil maneiras diferentes, pois foi tão copiada pelos escultores gregos e romanos que acabou se tornando um verdadeiro ícone da arte no Ocidente.

Além de seu extraordinário talento, Praxíteles também se beneficiou da beleza de Frinéia, a lendária cortesã por quem se apaixonou, e que serviu de modelo e de inspiração para todas as suas esculturas femininas.

Ela também admirava a sua obra e não sossegou enquanto não o fez prometer que lhe daria de presente a mais bela das estátuas que ele mantinha em seu ateliê.

Nenhum enamorado poderia negar um pedido desses - muito menos Praxíteles, a quem Frinéia tratou de convencer com suas carícias mais ousadas. Contudo, como o tempo foi passando sem que ele entregasse o presente, Frinéia começou a se impacientar.

Dentre os que sabiam da história, os maledicentes e invejosos sugeriam que ele não pretendia mesmo cumprir a promessa; os que conheciam mais de perto o artista, no entanto, justificavam o atraso alegando que ele simplesmente não conseguia decidir qual era sua escultura mais bonita.

Frinéia, à sua maneira, resolveu então ajudá-lo: quando o viu, certa feita, bebendo tranqüilamente com os amigos, mandou que um de seus escravos invadisse a taberna e anunciasse, aos gritos, que havia um grande incêndio no ateliê de Praxíteles e que a maior parte de suas obras tinha sido destruída pelas chamas.

Ao ouvir isso, o escultor precipitou-se pela porta, correndo pelas ruas como um louco, implorando aos deuses que lhe poupassem ao menos a estátua de Eros, o deus do Amor, e a que representava um Sátiro servindo vinho - sem as quais, gritava ele, o mais importante de seu trabalho estaria perdido.

Frinéia então atalhou o seu passo e disse, com graça e malícia, que tudo não passava de um estratagema para deixar a mente dele mais aguçada, permitindo que ele descobrisse, enfim, que aquelas eram suas melhores esculturas - o que, acrescentou, encerrava a questão, pois ela ficaria com a imagem de Eros.

É provável que Diógenes, o filósofo que vivia mendigando pelas ruas de Atenas, tenha assistido a essa cena. Nesse caso, com a ironia de sempre, deve ter cumprimentado Praxíteles por haver descoberto tão facilmente o que importava salvar da destruição.

Como só vamos pensar nisso quando já é tarde demais, resolvi fazer uma lista para estar bem prevenido, mas desisti ao me dar conta do quão pouco valem as coisas que podem ser carregadas.

Se não me tirarem as pessoas a quem amo, os meus amigos, os meus autores preferidos, o cinema e a música, o resto é muito pequeno.

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